Uma espécie de totalitarismo democrático
A aprovação da proposta de referendo sobre a co-adopção por casais do mesmo sexo revelou, mais uma vez, as incongruências do sistema político-partidário que regem os destinos do país e a forma como se vive em comunidade. A votação marcou (mais um) dia triste para o Parlamento nacional, desde logo por ter revelado um certo totalitarismo democrático, ao impor-se uma disciplina de voto numa questão sensível e mais ligada a valores individuais do que a ideologias políticas.
Torna-se, por isso, absolutamente irrelevante uma declaração de voto quando este reflecte uma decisão contrária à consciência de quem o exerce. Vale tanto como qualquer violenta abstenção, por mais ruidosa que seja, já que o princípio subjacente é o da indiferença. Não votar a favor ou contra é ficar bem com qualquer um dos desfechos que a votação possa vir a ter.
Nem sequer se pode invocar o argumento da lealdade - ou, melhor ainda, colocar-se em bicos de pés gritando ao mundo que se é um soldado fiel -, porque subjugar as próprias ideias ao interesse partidário em matérias de consciência não contribui em nada para a credibilidade do debate parlamentar. Pelo contrário. Geram, como se pode ver, perigosos episódios com origem em propostas que revelam a irresponsável natureza dos proponentes.
No livro Eichmann em Jerusálem, Hannah Arendt explica como o tenente-coronel das SS não podia demitir-se das responsabilidades das suas funções com o simples argumento que estava a cumprir ordens. Muito menos justificado pela aleatoriedade do cargo, já que se se não fosse Eichmann a tratar da logística de deportações de judeus, outro o faria no seu lugar. Melhor ou pior, não é isso que está em causa. E apresenta uma comparação: