Um Primeiro-Ministro no Jardim-Escola
Uma das primeiras coisas que se aprende em criminologia é que o criminoso não é diferente de cada um de nós. Na sua grande maioria a prática de crimes é potenciada pela oportunidade. Longe vão os tempos da escola italiana de criminologia, fundada por Lombroso, que defendia que os criminosos detinham características físicas únicas (ex: orelhas grandes; face assimétrica; crânio de proporções exageradas, etc).
No entanto, à medida que o crime se vai tornando mais hediondo surge a necessidade de distanciar o criminoso do que nos é familiar, da "nossa humanidade", apelidando-o de monstro, com características psicológicas especiais - só assim se consegue assimilar a crua realidade.
Deste modo, é compreensível que resista a confusão entre a pedofilia, que é um transtorno da sexualidade, e os agressores sexuais de menores, apesar de apenas 8% coincidirem. O senso comum dificilmente consegue conceber que alguém agrida sexualmente um menor sem que denote algum especial transtorno.
No entanto, o que não é compreensível é que o Governo, ao propor a criação de um registo de identificação criminal de condenados por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menores, use esta confusão e esta necessidade emotiva para, através da sua técnica preferida - a da divisão -, nós contra os criminosos, procure retirar dividendos políticos.
E se dúvidas houvesse o espectáculo degradante que foi o discurso do Primeiro-Ministro numa creche demonstrou claramente qual a verdadeira motivação desta medida.
Acresce que é também esta confusão que permite à Ministra da Justiça afirmar impunemente que a taxa de reincidência neste tipo de crimes ronda os 90%, quando na verdade deverá rondar uns 7%, conforme indicado por Ricardo Barroso, professor na Universidade de Trás-os-Montes.
Ora, se a taxa rondasse os valores indicados pela Ministra a criação da lista ia contra as melhores práticas de política criminal (haveria claramente diminuição de culpa, a medida da pena, e consequentemente as penas teriam que ser reduzidas) e consubstanciaria uma verdadeira desresponsabilização das autoridades: em vez de uma pena seria necessário a aplicação de uma medida de segurança, dependente de análise de técnicos, o que permitiria na teoria a "prisão perpétua".
Se a motivação e os fundamentos estão errados, os efeitos poderão ser devastadores.
Por um lado, um resultado negativo da consulta da lista, acrescido da sensação transmitida pela Ministra da Justiça de que o mais normal neste tipo de crimes é a reincidência, poderá transmitir uma falsa sensação de segurança, pese embora 92% dos agressores serem familiares ou conhecidos das vítimas.
Por outro lado, quanto tempo irá demorar alguém a fazer o salto lógico natural: se 90% dos membros da lista irão repetir o crime não será melhor fazer desde já algo que o impeça?