Um novo partido em Portugal
Nos últimos 3 anos, mas com maior incidência nas últimas semanas, ficámos a saber da existência de um novo partido político em Portugal.
Partilhando a designação, logótipo, sede e demais elementos identificativos do Partido Socialista, parece ter surgido, pela mão da sua atual liderança, todo um novo partido, com uma enorme diversidade de diferenças face ao PS que eu conhecia e com o qual me identificava.
Os exemplos desta nova maneira de fazer e de estar na política são vários. Sem procurar ser exaustivo, vou tentar enumerar apenas alguns.
Um novo partido, que face a um Orçamento do Estado que duplica as medidas de austeridade e transforma um memorando de entendimento num exercício de alucinação cujos delírios serão suportados pelos Portugueses, considera que para fazer oposição basta conceber e aplicar um despropositado conceito de "abstenção violenta".
Uma liderança que renega todo o legado histórico do partido, em particular o dos governos mais recentes, e compactua silenciosamente com todos os ataques, mentiras e insinuações que a direita lança sobre esse mesmo passado, permitindo que se enraizasse uma memória histórica que, simplesmente, não é real.
Uma nova forma de estar na política, que passa também por assumir uma postura complacente e passiva face à destruição e anulação de algumas das melhores iniciativas dos anteriores Governos socialistas.
Uma liderança que inova, também, ao procurar assumir-se de esquerda, enquanto pré-anuncia entendimentos à direita antes mesmo de esgotar (ou sequer explorar) eventuais possibilidades de entendimento à sua esquerda.
Excelente evidência desta nova forma de fazer política, reveladora de uma total rutura com a sua história, passa ainda por considerar que um debate sobre o partido, que um confronto sobre a orientação do mesmo, é uma "deslealdade", um ataque de cariz pessoal, ou (pasme-se!) uma "traição".
Um novo partido, este, que não só acolhe como amplifica a narrativa primária, insultuosa e factualmente errada da direita, baseada num delirante cenário no qual José Sócrates é causa e origem de todos os males, mas que parece assentar bem a quem agora se encarregou do partido.
Virtudes como a coragem e a frontalidade no debate desaparecem também com esta inovadora forma de estar na política, em pleno contraste com a história e a matriz do Partido Socialista.
Nesta nova "abordagem", o refúgio em formalismos estatutários ou em patéticas manobras dilatórias para adiar um debate exigido pela e para a sociedade portuguesa é não apenas um comportamento aceitável, como apoiado por alguns.
"Habituem-se, porque isto agora mudou!"
Uma frase que cobriria de uma enorme e indisfarçável vergonha todos os militantes e simpatizantes que conhecem a história do Partido Socialista, é agora uma demonstração de coragem, uma revelação de um líder que não conhecemos mas que, dizem-nos, agora é que vamos conhecer.
Eu confesso: não consigo habituar-me. Confesso que nunca, durante 3 anos, consegui habituar-me a esta liderança. E não quero, de todo, conhecer esta nova forma de estar na política, ainda por cima polvilhada com tiques autoritários que nunca pensei que tivessem qualquer tipo de tolerância num partido com a história, a dimensão e a importância do PS.
E muito menos me consigo conformar com a ideia de que esta triste, lamentável, página da história do Partido Socialista ainda vá perdurar mais 4 meses.
O tempo da liderança de António José Seguro terminou. Tenho dúvidas que algum dia tenha, verdadeiramente, começado. Urge realizar eleições diretas e convocar um congresso extraordinário. Prolongar esta agoniante situação durante 4 meses, até à realização de umas eleições primárias que, além de não possuírem cabimento estatutário, são de eficácia bastante duvidosa, é uma estratégia não apenas suicida para a atual liderança, mas atentatória ao próprio Partido Socialista, pelos danos duradouros que lhe pode legar.