Portugal tem em 2013 um governo e uma maioria parlamentar, coadjuvados por uma certa elite económica e politica, que obstinam em usar expressões como 'protetorado', 'perda de soberania' ou 'pedinte' para se referirem à atual situação nacional. O uso e abuso de tal jargão é revelador da incrível falta de sentido de estado e da embaraçante néscia que caracteriza estas ilustres mentes. Como lembrava a Teresa de Sousa num artigo publicado no Público a 31 de Março, "a elite portuguesa estava do lado de Castela na batalha de Aljubarrota". Sobre o tema da 'dessoberanização", publico aqui um texto do Jorge Nascimento Rodrigues de 16 de Julho de 2012. Bom proveito.
Uma parte da chamada elite portuguesa difunde com unhas e dentes que pelo facto do país ter assinado um acordo com novos credores para evitar uma bancarrota "que perdeu a soberania". Este "argumento" da perda de soberania é usado com um fim preciso: calar a divergência, a discussão e liquidar qualquer margem de manobra efetivamente soberana, nomeadamente em termos geopolíticos. A situação criou uma casta de "dessoberanizados", gente que ainda não consegui perceber bem a que nação pertencem. Mas o argumento é falso. 1) Pela pertença à UE e pela adesão a uma união monetária o país partilhou aspetos da sua soberania, mas é o facto de ser um estado-nação soberano que lhe permite ser parte aderente dessas instituições. Essas instituições não "dessoberanizaram" os seus membros - pois não somos ainda uma federação. Poder-se-á chegar a uma tal situação por decisão dos eleitores dos vários países que aderirem, mas ainda não é essa a realidade (e se o for não será por via do argumento da insolvência=perda de soberania). 2) Os novos credores não são entidades privadas nem alliens que nos sejam alheios -- Portugal é membro do FMI; é membro da UE; e faz parte do sistema do euro, justamente como nação soberana que é; os credores do "sector oficial" como são designados não são uma junta de credores privados ou de potências estrangeiras (como foi a circunstância noutras ocasiões no séc. XIX); 3) Conservar a capacidade geopolítica é fundamental, e isso exige, paradoxalmente, MAIS afirmação de soberania e não debandada dela; o pequeno Chipre, ainda mais pequeno do que nós, o entende muito bem; a Grécia cada vez mais caminhará nesse sentido; a Irlanda sempre utilizou a sua margem de manobra geopolítica transatlântica e de relacionamento com o Reino Unido; só, aqui, em Portugal, se desenvolveu uma casta de "dessoberanizados" incapazes de ter coluna vertebral e memória histórica. 4) Os "dessoberanizados" têm, ainda, outro argumento "histórico" - que no séc XIX ainda tínhamos activos geopolíticos (leia-se colónias) e que agora NADA temos -- há uma enorme ignorância sobre o valor do posicionamento estratégico das "periferias", do que se chama de shatterbelt, e esse activo Portugal sempre o teve, mesmo quando ainda não tinha império e mesmo depois de o perder; só os "dessoberanizados" nem se dão conta do que têm. 5) Os "dessoberanizados" deveriam ser consequentes - deveriam exigir a liquidação dos órgãos de soberania e a sua substituição por uma junta representante política dos credores. Acabe-se com o despesismos de alimentar essa arquitetura política ainda existente - se não há soberania para quê alimentar tais representantes? 6) Esta imbecilidade política "dessoberanizada" nem mesmo no tempo da monarquia dual com Espanha, em que houve a união dos dois reinos sob a coroa de Felipe II, neto de Manuel I e legítimo herdeiro, se desenvolveu; e em boa bancarrota estávamos desde 1560 a 1605; e quando o Conde Duque de Olivares resolveu acabar com essa união de reinos e querer impor uma centralização espanhola ao abrigo de uma união de armas, deu no que deu: várias revoluções e levantamentos, um dos quais triunfou. [É claro que também contou o fim da mama da prata que passava por Lisboa]. 7) Pior que o default, é ter uma parte da elite na condição "dessoberanizada"; não haverá forma de se fazer um swap e se trocar estes "dessoberanizados" por uns bonds, mesmo que project-bonds?