Sinto muito pelos alemães
O título é uma adaptação de uma bestial declaração de Wolfgang Schäuble. O ministro das Finanças alemão deu uma entrevista a uma rádio e considerou que, num momento particularmente sensível, seria boa ideia lançar algo do género "Sinto muito pelos gregos. Elegeram um governo que se comporta de forma irresponsável.". Mas por vezes dou por mim a pensar que é pelo bom povo alemão que devemos sentir muito.
Não é de agora. Os desconfortos deste senhor com as opções democráticas dos governos soberanos de cada país não são novidade para ninguém. Tal como também não são as suas técnicas gastas de propaganda, que - presumo - já só resultarão junto de tolinhos, iludidos e fanáticos.
Desde há muito que é assim: Schäuble planta as suas bonitas e respeitosas ideias junto de meios de comunicação social, negligenciando a racionalidade e insultando o bom senso. O que não descura, certamente, são as potenciais consequências daquilo que diz - ao não se coibir de lançar desta forma gasolina para a arena das negociações entre Estados-membros, num dos momentos mais sensíveis e decisivos do projeto europeu, o ministro das Finanças alemão tem certamente plena noção do que isto pode representar para o processo negocial em curso e para a atitude e a perceção que governantes e governados dos dois países adquirem.
A técnica está gasta e também foi usada com Portugal. No tempo em que dispunhamos de um Governo que, dentro das suas possibilidades negociais, se batia firmemente pela defesa dos interesses dos portugueses junto dos parceiros europeus, o ministro das Finanças alemão nunca se coibiu de "minar" os nossos esforços no sentido de mitigar aquela que à data parecia ser, aos olhos de muitos, a única solução, salvífica, para a crise: a sacrossanta austeridade.
E muito boa gente ficou admirada, anos mais tarde, ao ler numa entrevista um ex-Primeiro-Ministro apelidar Schäuble de "filho da mãe".
"Aquele estupor do ministro das Finanças, o Schäuble, todos os dias esse filho da mãe punha notícias nos jornais contra nós. E ligávamos para o gabinete da Merkel e ela, com quem me dava bem, dizia que vinha do gabinete dele."
A designação, confesso, parece-me justa e bem adequada. Quem age, conscientemente, reiteradamente, desta forma, colocando em risco os esforços de tantos (desde logo e em primeiro lugar, dos gregos) em manter um espírito de diálogo e de cooperação na União Europeia, não merece outra consideração que não a de ser um valente estupor.
É por isto que acho que devemos sentir muito pelos alemães. Devemos sentir muito por um povo que tem, há vários anos, que arcar com declarações irresponsáveis e potencialmente incendiárias por parte do seu ministro das Finanças, um povo que tem a sua imagem manchada por se ver representado por atores políticos que parecem estar determinados em conquistar um título que espero nunca ver atribuído a ninguém: o de coveiros do projeto europeu.