Fortuna
"...life's single lesson: that there is more accident to it than a man can ever admit to in a lifetime and stay sane"
- Pynchon - "V."
Toda a ideologia é uma construção da realidade (por isso é de recear os que se intitulam de realistas). E essa construção parte de premissas. Ora, a premissa de parte da direita liberal é o individualismo. O indivíduo controla o seu futuro. Com muito trabalho e esforço o sucesso - no sentido material (a definição de sucesso é outra questão) - está garantido.
Por sua vez, a sua ausência é da responsabilidade de cada um, uma falha de carácter; há um elemento de culpa no insucesso (como país isso também acontece: somos apelidados de mandriões, incapazes de gerir os nossos destinos).
Deste modo, o teor da (mais uma) inefável crónica do Arquitecto Saraiva, na qual preferia entregar 100 milhões de euros a Belmiro de Azevedo do que a 100 pobres, não surpreende e até é coerente com o seu pensamento. Racionalmente é o único refúgio para atenuar e explicar a profunda e galopante desigualdade dos nossos dias.
Por isso talvez seja importante relembrar ao Senhor Director do Semanário "Sol", bem como aos restantes seguidores desta ideologia, que fortuna também é sorte.