Uma agenda progressista para “dizimar a direita”
A dificuldade de revolucionários e reformistas partidários de esquerda e de centro-esquerda de alcançarem consensos políticos na vertente económica e no campo do institucionalismo europeu, não implica - ao contrário do que muitos poderão fazer crer – que não se trace um compromisso programático reformista, para uma próxima legislatura, na esfera cívico-moral. Muito pelo contrário: tal é não só social e politicamente enquadrável, como socialmente desejável e eleitoralmente benéfico (externalidade).
Ao contrário do que determinados mídia e certas correntes político-partidárias não poucas vezes procuram fazer acreditar, o complexo contexto económico-financeiro e sociopolítico não tem necessariamente que ser - ou não é – uma barreira para avançar com as ditas – popularmente – reformas fraturantes. Quem conhece ou acompanha minimamente a atividade parlamentar nacional, constata que há margem plena para avançar com uma agenda, em quatro pontos centrais, em duas legislaturas (i.e. expectavelmente, 2015-2019 e 2019-2023). Haveria margem para as aprovar em apenas uma legislatura, mas a natural obrigação pública de se discutirem transversalmente – para lá das portas da Assembleia da República – as temáticas e a umbilical necessidade de se prezar o equilíbrio entre a necessidade de ordem (estabilidade?) social e o progresso cívico que se objetiva, estendem no tempo a pragmatização do plano reformista que aqui se apresenta. Plano esse que mais do que fraturante, é social e democraticamente estruturante.
As reformas progressistas assentariam, genericamente, na aprovação devidamente regulamentada da morte medicamente assistida, a legalização da venda (voluntária) de serviços sexuais e a possibilidade de licenciamento de estabelecimentos comerciais destinados à prestação dos referidos serviços, a legalização e a regulamentação do consumo, da comercialização e da produção de produtos com substâncias canabinóides e, finalmente, a extensão do que agora se pretende com o projeto de lei que visa alterar o Código do Registo Civil, possibilitando a coadoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo, isto é, o tratamento equitativo, no regime de adoção, entre os casais com cônjuges heterossexuais e homossexuais.
A geração que nasceu na década abrilista de 70 começa a tomar - ou já toma - as rédeas de importantes estruturas sociais, a geração de 80 – mesmo que limitada pelos constrangimentos que se conhecem – começa agora a emancipar-se e metade da geração de 90 já tem idade legal para votar. Trata-se de três gerações que compõem cerca de um terço do eleitorado e que só conhecem o Portugal democrático e livre, que viveram a maior parte - ou a plenitude - das suas vidas no Portugal Europeu e cosmopolita, com vocação tendencialmente progressista. Não conhecem outro Portugal e não quererão, por certo, outro caminho que não a extensão das suas liberdades cívicas. A partir de 2019 - o ano expectável do início da (tal) segunda legislatura - já teremos parte da geração nascida no novo milénio a votar e recetiva a alterações sociais (ainda) mais profundas. A par disto, assinala-se a capacidade expectável de captação de apoios, independentemente da geração em causa, das forças progressistas de esquerda – maioritárias à esquerda, diga-se - e, concomitantemente, a atração – aqui com forte pendor geracional - dos liberais de direita, dos também chamados “liberais sociais” e, claro, de abstencionistas politicamente descontentes das “novas gerações”. Estes apoios são, fundamentalmente, importantes para “fazer passar” as (também importantes) reformas cívico-morais supra expostas, mas não são despiciendos os “positivos” efeitos colaterais que possam advir para se encetarem determinadas reformas no domínio económico e financeiro. Daqui decorre a óbvia conclusão de que um esforço – mais aceitável – de concertação progressista à esquerda, poderá ter externalidades positivas noutros domínios para estas forças e, claro, para os que beneficiem de tais reformas. Importa realçar, que não se pretende advogar uma visão instrumental das políticas e do eleitorado, mas considera-se que tal deriva das mesmas, sendo uma pura consequência de uma outra arquitetura cívica: aumentar a liberdade de escolha individual no prisma cívico-moral e desmantelar o “Estado moralizador” para, de seguida, aumentar a liberdade de escolha coletiva no prisma socioeconómico e financeiro e reedificar o “Estado Social”, resgatando-o do destino que lhe pretendem traçar: o de “Estado assistencialista”. Em suma, assumir uma agenda progressista para “dizimar a direita política e a direita conservadora".