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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

05
Jun16

Este não é o partido de Mário Soares. De certeza?

João Martins

"Não é a cultura do partido de Mário Soares". Foi esta uma das frases que marcou o dia de ontem no Congresso do PS. Uma das frases que foram utilizadas para criticar mais uma vez o acordo que o partido e António Costa conseguiram com os partidos à sua esquerda.

Contudo, a asserção não é recente. Foi já até bastante utilizada quando as negociações entre os partidos se iniciaram e enquanto decorriam, inclusivamente por figuras da direita portuguesa que, ironia das ironias, vieram em defesa daquela que achavam ser o propósito que Soares tinha para o seu partido. Ora, apesar da repetição ao longos destes meses, não quer dizer que o soundbyte se tenha tornado verdadeiro e, por isso, merece ter resposta.

Não tendo eu arcabouço, nem militância, nem antiguidade suficientes para dar lições de História seja a quem for, nem sobre o partido nem sobre o pensamento dos seus fundadores, gostaria apenas de recordar algumas ideias que talvez demonstrem, a meu ver, que os acordos à esquerda que resultaram na famosa Geringonça fazem parte da cultura que Mário Soares tem querido para o seu partido.

Recuemos então até 2009, altura em que o próprio aconselhou o PS a “ouvir mais os partidos de esquerda - o Bloco de Esquerda e a CDU […] para compreender como veem o futuro próximo, que é bem possível, se houvesse uma nova derrota do PS, ficasse bem mais negro do que está”. É verdade que Soares dizia que ainda “não era tempo” de “fazer acordos, antes ou pós-eleitorais”, mas já defendia que se fossem estabelecendo “os entendimentos possíveis”. Seria o "começo de qualquer coisa", como acabaria por dizer mais tarde.

Avancemos agora mais um pouco. Há muito tempo que venho pensando que é necessário que os partidos da esquerda se entendam, para triunfarem. Se não se entendem, nenhum triunfa. Cheguei a conclusão que podia tentar, com limitações, promover um ato público”, disse Mário Soares em 2013. Nesse ano, não promoveu um, mas sim duas conferências públicas nas quais juntou, na Aula Magna, independentes, militantes, simpatizantes e apoiantes dos vários partidos da esquerda portuguesa.

"Libertar Portugal da austeridade" e "Em defesa da Constituição, da Democracia e do Estado Social" foram os eventos por si promovidos. Foram mesmo essas as plataformas que serviram, como se confirmou mais tarde, para a criação da pluraridade dos consensos – e não a unanimidade do seguidismo que no anterior governo se defendia – que originaram o atual executivo, apoiado pela maioria parlamentar.

E sobre a direita, não terá o histórico fundador deixado alguma palavra num passado recente? A resposta poderá ser óbvia. Também em 2013, aquando da famosa crise irrevogável, Soares foi perentório quando defendeu que o PS não podia “fazer acordo nenhum” com a coligação que estava no governo – iniciativa apadrinhada por Cavaco Silva e que a direção do partido da altura demorou a recusar –, e que isso só fragilizaria o PS como partido de esquerda e criaria cisões.

Demonstrado acima pelas suas próprias palavras, a cultura do partido de Mário Soares está a respeitar a cultura que Mário Soares quer para o seu partido. Como bem respondeu o militante nº1 do PS quando lhe perguntaram se as feridas do PREC, à esquerda, já estavam saradas: "por mim, estão". Talvez todos devêssemos seguir-lhe o exemplo.

 

07
Out15

O truque

Sérgio Lavos

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Não haverá muitas dúvidas neste momento de que o encontro de António Costa com o PCP e com BE é, antes de mais, uma questão de cortesia, dado que os dois partidos mostraram disponibilidade para conversar com o PS sobre soluções governativas; mas é também um truque, pura prestidigitação: o PS quer mostrar aos seus votantes mais à esquerda que o seu voto não foi em vão (e que o perigo de pasokização não é uma ameaça próxima); por outro lado, o BE e sobretudo o PCP querem forçar o PS a posicionar-se para que possam decidir por onde seguirão: se pelo caminho da oposição ao PS ou pelo alinhamento estratégico (parlamentar) até que aconteçam novas eleições. 

A negociação com a esquerda vai permitir tanto ao PS como ao BE e PCP saídas airosas da encruzilhada em que estão metidos. Será muito surpreendente se o resultado destas "negociações" não for um desacordo proveitoso para todas as partes: o PS poderá dizer que tentou falar com a sua esquerda e o PCP e o BE poderão dizer que tentaram solução governativa com PS, mas que este preferiu viabilizar Governo de direita. Fingem os três partidos o acordo momentâneo porque sabem que uma larga fatia do seu eleitorado gostaria de ter um Governo de esquerda. Mas sabem os três que uma solução deste tipo comporta riscos imprevisíveis que poderiam pôr em causa conquistas eleitorais no futuro.
A política nunca é o que está à superfície, é sempre o que está para lá do que é dito e mostrado. Por baixo da mesa é onde se decide o futuro dos partidos. Pena é que o nosso futuro também dependa do que se esconde, muito mais do que daquilo que é visível: a verdade é obscurecida pelo gesto da mão, o que distrai a atenção do espectador e oculta o truque.

 

Adenda: O que escrevi aqui à tarde entretanto foi ultrapassado pela realidade. O PCP deixou de parte qualquer calculismo e abriu todas as portas e janelas a um entendimento à esquerda. Costa parece também convencido do mesmo. Falta o BE, mas pelo que foram dizendo em campanha e já depois das eleições, tudo indica que é possível também haver acordo. Pela primeira vez em 41 anos de democracia, poderemos vir a ter um Governo de convergência à esquerda. Excelente.

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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