Era uma vez uma nova versão da Lei das Finanças Regionais. Uma nova e pequena e grande e bela proposta de Lei das Finanças Regionais, nascida por obra da graça dos técnicos governamentais (ainda nos tempos áureos do Dr. Gaspar) que teve a bênção dos deputados da nação na generalidade e na especialidade. Tudo nos conformes para esta fresquinha lei das finanças das regiões autónomas da pátria. A dita futura lei é composta por uma variedade de artigos e especificações, uns mais prendados e outros, enfim, mais estultos. Mas a alteração mais esdrúxula será talvez aquela que decorre da nova redacção do artigo 59º, onde notamos que, surpresa surpresa, o governo decidiu aumentar os impostos. Outra vez. Desta vez somente nos calhaus lá perdidos a norte das ilhas Selvagens. A proposta de lei do governo reduz o diferencial fiscal que é aplicado aos impostos das regiões autónomas de 30 para 20% dos impostos do continente. Ou seja, reduz a margem de redução dos impostos que os governos das regiões autónomas possuíam, aumentando assim a carga fiscal aos madeirenses e açorianos. Mas o choque fiscal será superior nas terras das vacas sorridentes no que nos domínios de Alberto João, dado que este já aumentou uma grande parte dos impostos do arquipélago no âmbito do desastre financeiro criado por sua excelência lá na terra. Nos Açores, todavia, o diferencial de 30% é plenamente aplicado. E a partir de 1 de Janeiro de 2014, esse diferencial reduzir-se-á, provocando uma imediata subida generalizada dos impostos na região. Dado que as receitas fiscais recolhidas nas nove ilhas ficam na região (artigo 19º e 90º do horror do Cavaco), pergunta-se: onde está a racionalidade económica em aumentar impostos numa região em recessão, onde o governo obteve no ano passado um défice 0,4% e uma dívida regional de 19%? Sim, leu bem, o défice da Região Autónoma dos Açores em 2012 foi de 0,4% (uma redução de 50% face a 2011) e a divida da administração regional foi de 19% (0,4% de toda a divida pública nacional). Pois bem, mesmo tendo isto em conta, e uma oposição que além de incluir o próprio Governo Regional dos Açores e todos os partidos da esquerda parlamentar também abarca o próprio PSD/Açores, que anunciou que os seus três deputados iriam votar contra esta proposta de lei (tal como já o tinham feito aquando da votação na generalidade, juntamente com os deputados madeirenses do PSD e do CDS), o aumento avançará. Sendo assim, porque insiste o nosso renovado governo neste fundamentalismo fiscal? Pois bem, a justificação oficial é uma clássica: a troika exige. Ali, nas páginas 4 e 5 do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Politica Económica, onde (no caso do IRS) se pode ler "propor alteração à Lei das Finanças Regionais para limitar a redução das taxas em sede de IRS nas regiões autónomas a um máximo de 20% quando comparadas com as taxas aplicáveis no continente". Ponto final, sem discussão. Ora bem, se é verdade que a versão original tinha esta particularidade inexplicável, é também verdade que desde a sua entrada em vigor os memorandos já foram objecto de sete (!) revisões. Sete oportunidades de alterar esta enormidade. Sete alturas em que um governo lógico e não-submisso podia ter alterado esta exigência sem sentido. Sete momentos em que os nossos governantes podiam ter usado a alegada 'autonomia para propor' mudanças. Sete situações desperdiçadas pela personificação da incompetência que é este Governo Constitucional remendado.
Conservada a exigência troikana, o governo de apenas 12% dos portugueses decidiu ir avante com uma alteração fiscal injusta, irracional e limitadora da autonomia das regiões autónomas. Porque tem que ser. Porque sim.