Ó mar salgado
Crédito da foto de Vítor Cruz
Depois dos últimos acontecimentos na costa portuguesa com a força das ondas a galgar praias - parece que este fim-de-semana o alerta voltou a soar -, vem à memória uma ideia que a minha avó repetia cada vez que surgiam as marés vivas entre o final de Agosto e o princípio de Setembro (variava com as fases da lua). «O mar ainda há-de recuperar aquilo que a terra lhe roubou».
Sabedoria popular que cada um dará a importância que quiser, mas neste caso particular, sempre fui como o São Tomé: ver para crer. Uma expressão mais acessível do que considerar-me cético por natureza.
A verdade, é que por aquilo que me dá a ver por esta recente imagem da praia da Barra, posso garantir que nos últimos 30 anos (mais visível na última década), o mar recuperou mais extensão de praia do que a distância entre a atual linha de praia e as casas que se veem atrás. Não é a costela nostradamica da minha avó que me preocupa e sim o que realmente o mar está a conseguir recuperar.
A construções de paredões e o aumento dos antigos ajuda não só à navegação na entrada dos portos, como o de Aveiro, mas também, de certa forma, a travar o avanço do mar que, vê-se agora, não está a surtir grande efeito.
Isto somado a um selvagem ordenamento do território (melhor nos últimos anos) que permitiu o alargamento das povoações ao longo da costa, simplesmente porque ter casa na praia era e continua a ser um privilégio. A fatura está a chegar e desta vez não o aumento do IMI que mete medo.
Não vou entrar em pormenores geográficos sobre Aveiro e das suas condições naturais que a entrada da Ria proporciona. No meu tempo de adolescente, naqueles saudosos trabalhos de Verão promovidos pelo antigo FAOJ, estive na Reserva Natural das Dunas de São Jacinto e aprendi que é a duna secundária (a maior e a última a ser geologicamente formada) que naturalmente serve de obstáculo ao avanço do mar.
Acontece que nem toda a costa tem esse travão. A Barra e a Costa Nova (pior ainda a Vagueira) mostram-se altamente vulneráveis à força do mar, independentemente de ter inúmeros pontões construídos.
O Presidente da República afirmou em Novembro de 2012 que os portugueses tinham de saber ultrapassar estigmas e voltar a prestar atenção a setores que esqueceu nas últimas décadas: mar, agricultura e indústria. Esqueceu-se foi de lembrar igualmente que as duas primeiras, se desapareceram, às suas políticas enquanto PM o deve, quanto mais não tenha sido por omissão nas negociações que decorriam com os parceiros europeus.
O mar deveria, realmente, ser visto com especial atenção. Em vez de se ouvir alarvidades como a que foi proferida por Lobo Xavier na última Quadratura do Círculo («Devia passar-se fundos da ciência para as empresas», em resposta ao corte cego – mais um – nas bolsas de investigação), poderia envolver-se as universidades na procura de novas soluções para o progresso científico ao serviço da dinamização da economia. Aliás, nunca percebi muito bem porque nunca se aprofundou com mais seriedade a possibilidade de se obter energia a partir da força das marés.
Já é um chavão fazer-se referência ao tamanho da zona exclusiva marítima portuguesa. Mas é sempre bom lembrar que o Atlântico Sul europeu é nosso e que só isso bastaria para promover estudos mais sérios sobre como tirar partido disso mesmo. Assim se pensa o país. Mas isso é pedir muito. Recorde-se também que quando a antiga IP5 acabou de ser construído, servindo como porta de entrada por excelência à livre circulação de pessoas, bens e capitais na Europa, chegou-se à conclusão que seria insuficiente para as exigências de tráfego gerado. Já para não falar nas questões de segurança. Mais uma “estrada da morte” para juntar a outras que o país já tinha.
Também neste particular, Aveiro foi bafejada. Está no limite da mais estreita faixa de terra para se ir do Atlântico a Espanha. Por Vilar Formoso. Começou então a fazer-se a A25. De estradas ainda há mais histórias para contar, mas isso pode ficar para outro post.
Há, no entanto, portugueses que já responderam ao apelo do Presidente da República. Viraram-se para o mar. O pormenor que deveriam ter em conta em relação ao mar é que, tirem o partido que tirarem, têm de aprender a respeitá-lo. O que aconteceu no Meco prova isso mesmo. Mas não é caso único. Houve alguém, muito melhor do que eu, que apanhou bem o espírito da “nova vaga”. Perdoem a expressão.