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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

09
Nov17

"Suspensão" não foi de todo a decisão mais apropriada

David Crisóstomo


Esta suspensão de mandato parece-me bastante inadequada - no sentido em que devia ter sido antes uma renúncia.

adelaide.png

 

O Estatuto dos Deputados impede desde 1989 o duplo mandato à Assembleia da República e às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas. Se mais razões não faltassem, fica difícil assumir a compatibilidade do sério cumprimento do mandato de representar os cidadãos de todo o país (n.º2 do 152.º da Constituição  e  n.º1 do 1º do Estatuto dos Deputados) ao mesmo tempo que também se cumpre o mandato de representar os cidadãos da Região (20.º do Estatuto Político-Administrativo da Madeira) - e o mesmo também se aplica à acumulação de ambos com o mandato de deputado ao Parlamento Europeu.

 

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Quando foi eleito para a Assembleia da República, Carlos Pereira cumpria um mandato de deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, para o qual tinha sido reeleito em Março de 2015. A 23 de Outubro suspende o seu mandato na assembleia regional para assumir o novo mandato na assembleia nacional, para a qual tinha sido eleito nas legislativas de Outubro de 2015 enquanto cabeça-de-lista pelo PS no círculo eleitoral da Madeira ("Carlos João Pereira, Deputado eleito em segundo lugar na lista de candidatos da Coligação Mudança para a Assembleia Legislativa da Madeira, por ter sido eleito Deputado na Assembleia da República e considerando a incompatibilidade legal com o cargo, vem requerer a V. Exa. (...) a suspensão do seu mandato a partir do dia 23 de outubro, inclusive, e enquanto se mantiver a referida incompatibilidade" -  Diário da Assembleia Legislativa, I Série, n.º 29, XI Legislatura, I Sessão Legislativa).

 

E nesta situação se encontrava até ao final da semana passada, quando foi  tornado público que pretendia regressar ao parlamento madeirense para, enquanto líder do PS-Madeira, defender a moção de censura que este apresentou ao Governo Regional. Ao Público  justificou este regresso ao Funchal para estar "onde acrescenta mais valor na defesa dos interesses madeirenses" - as prioridades politicas mudaram, é legitimo. O que é de legitimidade duvidosa é, no seu retorno à Madeira, não renunciar ao seu mandato na Assembleia da República, optando antes por apenas pedir sua suspensão - deixando assim aberta a possibilidade de, caso volte a mudar de prioridades, caso volte a achar que "acrescenta mais valor" em São Bento, regressar ao parlamento nacional.

acrescenta.png

 

 

A Assembleia da República não é uma espécie de ATL, não é um mero cargo onde os eleitos vêm ocupar o tempo livre e ganhar  gravitas  e experiência (ou ensinamentos e contactos, como  advogava outro candidato a deputado que nunca chegou a tomar posse devido ao regresso de Jorge Gomes ao parlamento) enquanto aguardam pelo melhor momento para um regresso ao seu palco político de predileção; o mandato no parlamento nacional (ou nos parlamento regionais) não é um posto de que se pode sair e entrar (e possivelmente voltar a entrar e a sair) quando politicamente dá jeito. Nada contra o Carlos Pereira pessoalmente, mas este tipo de mentalidade de quem trata o lugar na Assembleia da República como se fosse algo descartável que lhe tivesse saído na lotaria não é o mais condigno. Se deseja regressar à política regional e exercer o mandato para o qual foi legitimamente eleito, e que se encontrava suspenso, tal escolha devia implicar uma renúncia ao mandato nacional - e não uma mera suspensão, um "pode ser que volte outra vez, logo se vê".

 

E a própria aceitação deste pedido de suspensão por parte da Assembleia da República também pode não ter sido muito sensata, lamento. O artigo invocado do Estatuto refere "a ocorrência das situações", entra as quais a da alínea d) do 20.º, ou seja, ser "membro dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas".

suspende.png

 

 

Contudo, não me parece que estejamos perante uma nova "ocorrência", pois não "ocorreu" nenhuma eleição para o parlamento da Madeira nem nenhuma nomeação para o Governo Regional; confrontado com a "situação referenciada", o parlamentar em questão já tinha feito a sua escolha há 2 anos quando se viu perante a situação incompatível, como ele próprio identificou. Se agora decide reverter essa escolha e inverter a sua prioridade, tal é um direito seu, mas isso todavia não devia implicar uma nova "ocorrência" aos olhos do parlamento - ou então a Assembleia da República está admitir que um deputado pode andar indefinidamente a saltar dentro de uma legislatura entre os parlamentos de Lisboa e do Funchal sem nenhuma limitação, indo suspendendo mandatos conforme lhe for mais conveniente, aparentemente com todo o cabimento legal e político e,  in extremis , tornando inútil a cláusula da incompatibilidade existente. E esse laxismo dispensava-se.

 

 

 

P.S. - Sou bruxo.

 

24
Jul13

Tributai-os

David Crisóstomo

Era uma vez uma nova versão da Lei das Finanças Regionais. Uma nova e pequena e grande e bela proposta de Lei das Finanças Regionais, nascida por obra da graça dos técnicos governamentais (ainda nos tempos áureos do Dr. Gaspar) que teve a bênção dos deputados da nação na generalidade e na especialidade. Tudo nos conformes para esta fresquinha lei das finanças das regiões autónomas da pátria. A dita futura lei é composta por uma variedade de artigos e especificações, uns mais prendados e outros, enfim, mais estultos. Mas a alteração mais esdrúxula será talvez aquela que decorre da nova redacção do artigo 59º, onde notamos que, surpresa surpresa, o governo decidiu aumentar os impostos. Outra vez. Desta vez somente nos calhaus lá perdidos a norte das ilhas Selvagens. A proposta de lei do governo reduz o diferencial fiscal que é aplicado aos impostos das regiões autónomas de 30 para 20% dos impostos do continente. Ou seja, reduz a margem de redução dos impostos que os governos das regiões autónomas possuíam, aumentando assim a carga fiscal aos madeirenses e açorianos. Mas o choque fiscal será superior nas terras das vacas sorridentes no que nos domínios de Alberto João, dado que este já aumentou uma grande parte dos impostos do arquipélago no âmbito do desastre financeiro criado por sua excelência lá na terra. Nos Açores, todavia, o diferencial de 30% é plenamente aplicado. E a partir de 1 de Janeiro de 2014, esse diferencial reduzir-se-á, provocando uma imediata subida generalizada dos impostos na região. Dado que as receitas fiscais recolhidas nas nove ilhas ficam na região (artigo 19º e 90º do horror do Cavaco), pergunta-se: onde está a racionalidade económica em aumentar impostos numa região em recessão, onde o governo obteve no ano passado um défice 0,4% e uma dívida regional de 19%? Sim, leu bem, o défice da Região Autónoma dos Açores em 2012 foi de 0,4% (uma redução de 50% face a 2011) e a divida da administração regional foi de 19% (0,4% de toda a divida pública nacional). Pois bem, mesmo tendo isto em conta, e uma oposição que além de incluir o próprio Governo Regional dos Açores e todos os partidos da esquerda parlamentar também abarca o próprio PSD/Açores, que anunciou que os seus três deputados iriam votar contra esta proposta de lei (tal como já o tinham feito aquando da votação na generalidade, juntamente com os deputados madeirenses do PSD e do CDS), o aumento avançará. Sendo assim, porque insiste o nosso renovado governo neste fundamentalismo fiscal? Pois bem, a justificação oficial é uma clássica: a troika exige. Ali, nas páginas 4 e 5 do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Politica Económica, onde (no caso do IRS) se pode ler "propor alteração à Lei das Finanças Regionais para limitar a redução das taxas em sede de IRS nas regiões autónomas a um máximo de 20% quando comparadas com as taxas aplicáveis no continente". Ponto final, sem discussão. Ora bem, se é verdade que a versão original tinha esta particularidade inexplicável, é também verdade que desde a sua entrada em vigor os memorandos já foram objecto de sete (!) revisões. Sete oportunidades de alterar esta enormidade. Sete alturas em que um governo lógico e não-submisso podia ter alterado esta exigência sem sentido. Sete momentos em que os nossos governantes podiam ter usado a alegada 'autonomia para propor' mudanças. Sete situações desperdiçadas pela personificação da incompetência que é este Governo Constitucional remendado.

Conservada a exigência troikana, o governo de apenas 12% dos portugueses decidiu ir avante com uma alteração fiscal injusta, irracional e limitadora da autonomia das regiões autónomas. Porque tem que ser. Porque sim.

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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