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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

12
Mai16

Contratos de confissão

David Crisóstomo

 

No âmbito do debate sobre os contratos de associação e o ensino particular e cooperativo, é muito interessante ler a discussão da Assembleia Constituinte em torno do estatuto constitucional que as escolas privadas teriam e da liberdade de iniciativa privada na área da educação. José Augusto Seabra, mais tarde ministro da Educação do terceiro governo de Mário Soares, interveio a certa altura do debate enquanto eleito pelo PPD:

 

"Nas condições históricas portuguesas há um ensino privado. Para nós, ensino privado opõe-se a ensino oficial, ou melhor, a ensino público, expressão que já foi aqui consagrada. Por isso, nós entendemos, como, aliás, se verá na discussão dos pontos seguintes, que o ensino privado pode ser ministrado por determinadas comunidades, que podem ser de diverso tipo. Podem ser comunidades religiosas, podem ser, por exemplo, cooperativas, podem ser associações de pais, podem ser associações de professores.
Por isso, não se trata de defender um ensino privado, individualista e mercantil, mas um ensino não oficial, diversificado, que pode tomar as mais variadas formas. E eu dou alguns exemplos concretos: por exemplo, uma determinada fundação, suponhamos a Fundação António Sérgio, decide organizar um ensino próprio. Tem o direito de o fazer.
Suponhamos, por exemplo, que o Partido Comunista Português, como acontece, por exemplo, em França, decide criar uma Universidade marxista. Tem o direito de o fazer. O Partido Comunista é uma organização legal, portanto tem toda a liberdade de o fazer. Uma cooperativa decide criar um ensino para os seus membros. Tem o direito de o fazer. É nesse sentido que nós entendemos a proposta.
Evidentemente que este problema está, em geral, centrado à volta da confessionalidade ou não confessionalidade do ensino. Ora, como nós já definimos que o ensino oficial é não confessional, admitimos que possa haver, no caso do ensino privado, ensino confessional."

 

Pois bem, o Luís Aguiar-Conraria destacou, num muito bom artigo no Observador sobre as múltiplas argumentações em torno dos contratos de associação, estas situações que me parecem reveladoras dum problema que temos em mãos:

 

"De qualquer forma, os factos falam por si, basta ir ler os estatutos de alguns colégios com contratos de associação. Um caso engraçado é o do Colégio Rainha Santa Isabel (CRSI), em Coimbra, a menos de 2 kms de excelentes escolas públicas, como a Escola Secundária de Dona Maria ou a Avelar Brotero. Como “visão educativa” a CRSI tem “somente em vista a glória de Deus e a salvação do mundo” e quer que “todas as nossas acções tendam para este nobre fim”. No item da acção educativa diz que quer viver “em bom entendimento, formando um só coração e uma só alma, pertencendo totalmente a Deus.” Diz ainda que “como escola católica que é, todas as turmas do CRSI iniciam o seu dia fazendo oração comum ou comunitária, pensada e adaptada para cada faixa etária, iniciando o nosso dia com a bênção e o encontro com Jesus Cristo.” A 350 metros está o Colégio São Teotónio, também com contrato de associação, que na sua página diz que o “objetivo do Colégio de São Teotónio enquanto Escola Católica é educar a partir dos referenciais do humanismo cristão”. Nada contra. Mas com o dinheiro dos contribuintes dum Estado laico, não." 

 

Eu concordo. Tal como me incomoda que o dinheiro dos contribuintes pareça financiar um estabelecimento como a Escola Salesiana de Manique, que descreve o seu "processo educativo" com a inclusão do "sentido ético e transcendente, mediante processos de conhecimento e vivencias da mensagem de Jesus Cristo". Ou como o Colégio de Nossa Senhora de Fátima, que nomeia nas suas "Linhas Orientadoras do Projeto Educativo" os "valores cristãos numa visão transcendente da realidade e do Homem, na procura da síntese entre a fé, a cultura e a vida, na busca de uma identificação mais perfeita com Jesus Cristo, na celebração da fé". Ou o Colégio Diocesano de Nossa Senhora da Apresentação, que diz inspirar-se "essencialmente na Mensagem Evangélica de Jesus Cristo e nas orientações do magistério da Igreja". Já a "Proposta Educativa" da Escola Salesiana de Poiares refere que esta "oferece as linhas básicas da identidade do espaço privilegiado de educação e evangelização dos jovens, que é a escola", que "consegue reunir numa síntese coerente e desenvolvida os valores evangélicos, as orientações do magistério da Igreja, que inspiram a escola católica". Na mesma nota temos o Colégio Salesiano de Mogofores, que "pretende ser um centro produtor de cultura de raiz e cariz evangélicos". Existe também o Colégio da Imaculada Conceição, que se declara desde logo "uma escola confessional", uma que na sua "Missão e Visão" esclarece que "reconhece no Evangelho a sua fonte de inspiração, como proclamação da libertação em Jesus Cristo". No seu "ideário", o Centro de Estudos de Fátima fala-nos, por exemplo, dos "princípios evangélicos que nos norteiam e que nos dão a garantia de que a força de Deus está sempre presente no nosso esforço". Sendo que a "centralidade na pessoa de Jesus Cristo e na sua missão Evangelizadora" é também um dos "princípios orientadores" no "ideário" do Colégio do Sagrado Coração de Maria de Lisboa.  No seu "projeto educativo", o Colégio Via-Sacra determina claramente que "a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica é de frequência obrigatória para todos os alunos." E com uma "identidade institucional" que "radica portanto em Cristo Jesus", o Colégio Concíliar de Maria Imaculada afirma-se como "Escola Católica", onde defende "que Cristo é o fundamento e inspiração da nossa acção pedagógica". Já o Colégio La Salle, que declara que "o principal objetivo da nossa obra educativa é a evangelização", "propõe, convida e ajuda toda a Comunidade Educativa a descobrir a sua dimensão transcendente", pois "como escola Cristã, possibilita viver a experiência de crente e de compromisso Cristão na Igreja a partir do Evangelho e dos valores de Jesus de Nazaré, descobertos em processos de crescimento pessoal no seio da comunidade".

 

Ora, a Constituição da República Portuguesa é muito clara no nº3 do seu artigo 43º:

3. O ensino público não será confessional.

 

E este não me parece um ponto contestável nem contestado. E, como vários no espaço público nos têm relembrado, os estabelecimentos privados e cooperativos com contrato de associação estão a prestar o serviço público de ensino, previamente contratualizado com o Estado. O próprio Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo esclarece no seu preâmbulo que "os contratos de associação, a regular por portaria, integram a rede de oferta pública de ensino". O que nos deixa aqui com um aparente dilema. Admito que, às tantas, todas estas escolas que citei e outras lecionam e oferecem aos alunos das turmas de contrato de associação um ensino secular. Todavia, não é isso que os seus documentos orientadores nos parecem permitir concluir. E se assim não for, então estamos aqui perante uma aparente violação dum direito constitucional dos alunos que importa abordar. E que, mais uma vez, reforça o carácter "temporário" dos contratos de associação com os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo e a obrigação do Estado de, com o passar dos anos e o alargamento da rede de estabelecimentos públicos a todo o país, ir cessando este outsourcing que faz de um seu dever basilar. Roubando a citação ao excelente post do Domingos:

"O facto de em certo domínio existir ou poder vir a existir uma escola particular ou cooperativa não isenta o Estado do cumprimento da obrigação constitucional [do artigo 75.º/1] [...] carecendo de fundamento constitucional o recorte de um dever jurídico do Estado garantir um hipotético princípio da equiparação entre o ensino público e o ensino privado". Mais: "O facto de numa determinada área de ensino ou região já haver uma escola privada ou uma escola cooperativa, sem que exista uma escola pública, não é motivo para não criar esta; é, antes, prova de que há uma necessidade pública de ensino que não encontra resposta, como devia, no sistema público de ensino [...]" 

(Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República portuguesa anotada, Vol. I, 4.ª edição, pág. 904)

 

A existência e oferta de escolas pública, não-confessionais, em todo o território da República não é um capricho de uns governos mais odiosos da iniciativa privada. É simplesmente o cumprimento do direito dos cidadãos menores a um ensino igualitário, o efetivo cumprimento da garantia de um "ensino básico universal, obrigatório e gratuito" e de que "todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar", como explicita a nossa lei fundamental há 40 anos aprovada. A eliminação de subsídios manifestamente injustificados a escolas particulares liberta verbas dos contribuintes para o Estado cumprir a sua função constitucionalmente consagrada.

 

Na edição da semana passada do jornal Expresso, o líder da bancada parlamentar do PSD declarou, como reação à decisão do governo de garantir que no próximo ano letivo não existirão redundâncias na rede pública de ensino ao nível da criação de novas turmas nos colégios com contratos de associação, que “há aqui um ataque não assumido à Igreja Católica, que tem muita presença na disponibilização desta oferta educativa. Serão 25 em 79”, calculou Luís Montenegro, acrescentando que “depois, há vários que a Igreja não gere mas são de inspiração católica”.  Eu tendo a acreditar nestes números. Mas não consigo retirar daí que, por cerca de 30% da rede dos estabelecimentos com contrato de associação ser da propriedade da igreja, o Governo a esteja a "atacar". A não ser que o PSD saiba algo que eu não dou como certo. A não ser que o PSD nos esteja a dizer que sim, que uma fatia considerável dos contratos de associação são tão-somente uma espécie de financiamento à Igreja Católica para ministrar um ensino confessional travestido de "ensino público", ainda para mais em áreas onde existirão escolas públicas para oferecer esse serviço público. A não ser que o PSD nos esteja a dizer que sabe que a Igreja Católica utiliza certas escolas com contratos de associação para fazer algo que a Constituição não admite. Isso seria grave e inadmissível, ainda por cima para um partido que recentemente saiu do Governo.

 

Após o 25 de Abril, quando os representantes eleitos dos cidadãos consensualizaram que o Estado não dispunha ainda de uma rede suficiente de estabelecimentos públicos, estabeleceu-se a necessidade de recorrer a privados, com capacidade instalada em zonas carenciadas de escolas públicas, para fornecerem o serviço público de ensino. Mais de 40 anos depois, o Estado alargou a sua rede de escolas e muitos desses contratos são neste momento supérfluos. Cumpre pois, no âmbito do mandato que a Constituição concede e dos princípios elementares da boa gestão do dinheiro dos contribuintes, deixar de financiar alguns colégios privados para a realização dum serviço que o Estado neste momento já tem condições para disponibilizar. Ainda para mais nas situações em que se duvida que ele esteja a ser feito no pleno respeito dos direitos dos cidadãos. Não está em causa um "ataque" a nenhum proprietário privado de estabelecimentos de ensino, muito menos a uma instituição religiosa, pois, nas palavras dum constituinte do PPD, se "definimos que o ensino oficial é não confessional, admitimos que possa haver, no caso do ensino privado, ensino confessional" sem nenhuma questão, claro. Mas, citando outra vez o Luís, com o dinheiro dos contribuintes dum Estado laico, não.

 

 

11
Nov14

Santa Isenção

David Crisóstomo

 

Caro Senhor Deputado Ferro Rodrigues,

Líder do Grupo Parlamentar do PS,

1. A Associação República e Laicidade sugere que a bancada parlamentar do seu partido, no debate sobre o Orçamento do Estado para 2015, proponha que sejam revogadas as isenções de impostos patrimoniais (IMI, IMT) e a restituição de IVA de que beneficiam as comunidades religiosas.

2. O fim destes benefícios fiscais significaria um acréscimo na receita do Estado que poderia ultrapassar os 100 milhões de euros. É escandaloso que, após vários anos de sacrifícios dos contribuintes individuais e das famílias, as comunidades religiosas continuem totalmente isentas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ou Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de imóveis.

3. A Associação República e Laicidade chama-lhe ainda a atenção para o seguinte:

a) A isenção de impostos patrimoniais prevista na Concordata de 2004 para edifícios com finalidades estritamente religiosas (locais de culto e seminários) foi abusivamente alargada no nº4 da Circular 10/2005 do Director Geral dos Impostos às «residências dos eclesiásticos», entre outros imóveis;

b) O artigo 1º do Decreto-Lei 20/90 estabelece a devolução do imposto sobre o valor acrescentado na aquisição ou importação de bens ou serviços exclusivamente destinados ao culto religioso.

 

A bem da República,

Ricardo Alves, João Vasco Gama, Miguel Duarte

Associação República e Laicidade

 

Lisboa, 11 de Novembro de 2014

 

 

Foi enviada uma carta para cada grupo parlamentar. Podem aqui ser lidas as cartas que seguiram para as bancadas dos PSD, CDS-PP, PCP, BE e PEV.  É surreal que em 4 anos de austeridade, de contenção de despesas a todo o custo, o governo nunca tenha sugerido uma alteração que fosse destes privilégios. Nem o governo, nem a oposição, já agora. Nem revogação das excepções elencadas, nem a renegociação da Concordata. Ao contrário do que aconteceu em Espanha, por exemplo. É de facto incrível.

 

 

 

 

 Adenda - de entre as propostas do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda de alteração à proposta de Orçamento de Estado para 2015, estão as seguintes:

  • nº225C - revoga a isenção de IMI das "associações ou organizações de qualquer religião ou culto às quais seja reconhecida personalidade jurídica, quanto aos templos ou edifícios exclusivamente destinados ao culto ou à realização de fins não económicos com este diretamente relacionados";
  • nº169C - revoga o artigo 1º do Decreto-Lei 20/90, que estabelece a devolução do IVA o na aquisição ou importação de bens ou serviços exclusivamente destinados ao culto religioso

Parabéns ao Bloco de Esquerda, fosse isto consensual.

 

12
Mai14

Eu passo-me com isto

David Crisóstomo

 

A Fernanda tem toda razão, deste mundo e do outro. Palavra d'honra que também desconhecia que isto fosse assim. Já tinha ouvido falar da procissão da nossa senhora da saúde e que havia militares que lá participavam por ser a santa patrona, mas sempre (inocentemente) pensei que fosse um grupito mais fervorosamente católico que se organizasse e fosse lá como qualquer cidadão cá da República - e não com o patrocínio, bênção e comando disciplinar das instituições militares, porra. Mas num pais que oferece gabinetes e funcionários a um senhor só porque foi nomeado "Bispo das Forças Armadas", procissões militarizadas não me deviam espantar.

 

Tal como não deixo de me fascinar com a aparente indiferença e sans souci como todos os partidos portugueses com assento parlamentar (arrisco-me a dizer mesmo todos os 20 registados no Tribunal Constitucional) tratam os privilégios desta entidade privada na nossa sociedade. A última revisão da concordata, que continua a conceder privilégios diplomáticos, protocolares, patrimoniais, educacionais e fiscais a esta organização, foi há uma década. E desde então nada, tudo sereno e com fé no Senhor, que aparentemente para pagar rezas há sempre vocação e dinheiro nos cofres das Finanças. Santa paciência.

 

27
Abr14

Maria Luís, tu pelo amor de deus corta-me este custo intermédio

David Crisóstomo

Estas coisas tiram-me do sério - já não bastava mantermos uma representação diplomática permanente e exclusiva para o mais pequeno país do mundo enquanto fechamos consulados em cidades com milhares de portugueses emigrados? Ainda enviamos o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros para assistir e "para participar" (?) numa cerimónia em que as autoridades da Santa Sé anunciam que dois dos seus ex-líderes devem agora ser venerados? Para depois o ocupante das Necessidades ainda se pôr a discorrer sobre o "significado extremamente importante" da declaração de 'santidade'? Para "falar um pouco sobre Fátima" com o governante lá da cidade?

Mas a República Portuguesa agora reconhece santos e milagres? Mas ignora-se assim a Lei da Liberdade Religiosa, que refere no nº2 do artigo 4º que "nos actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade"? Mas gastamos dinheiro com isto? Mas isto é pago com os meus impostos? Mas não têm mais nada que fazer ou outros assuntos para tratar? Mas este tipo está a representar-me? Mas que raio?! 

 

07
Jul13

'pelos responsáveis pelo governo da nossa pátria, oremos irmãos'*

David Crisóstomo

 

Eu bem sei que está um calor tórrido e que já entrámos na silly season, mas o que acabou há minutos foi o remate perfeito para uma semana estapafurdiamente surreal. Na igreja do Mosteiro dos Jerónimos decorreu hoje a missa da entrada solene de Manuel Clemente como Cardeal Patriarca da Diocese Católica de Lisboa. Nesta cerimónia de duas horas, que a RTP transmitiu em directo (?!), onde o 'jornalista' ia apelando à "certeza de que Deus está sempre presente" (?!!), estavam também presentes inúmeras figuras públicas. E, à revelia do nº2 do artigo 4º da Lei da Liberdade Religiosa, estavam presentes o Presidente da República, a Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-ministro, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Presidente do Tribunal de Contas, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros irrevogavelmente demissionário/Vice-Primeiro-Ministro indigitado e o Ministro da Segurança Social. 

Podem as pessoas que ocupam altos cargos da hierarquia da República ir a missas ou outros eventos religiosos? Claro.

Podem as pessoas que ocupam altos cargos da hierarquia da República ir a missas ou outros eventos religiosos nessa qualidade, representando as instituiçoes que presidem? Não.

 

 

 

E estavam estas figuras presentes nos Jerónimos enquanto altos dignitários do Estado? Parece que sim, pois havia meia dúzia de filas especialmente reservadas para suas excelências, tendo a disposição de lugares respeitado o protocolo de Estado, com a Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o Presidente do Tribunal de Contas na 1ª fila e os ministros Paulo Portas e Pedro Mota Soares na 2ª fila. E o Presidente da República? Pois bem, tinha dois cadeirões, dois tronos, especialmente reservados para ele e para a sua mulher...

 

 

Estamos em tempos bizarros, onde parecem ser poucos os princípios republicanos respeitados, onde parece não se compreender a importância de os preservar, de por eles batalhar. O governo (e o subserviente presidente) que abole os feriados da restauração da independência e da implantação da República, que viola repetidamente a Constituição e que aparenta desprezar a legitimidade popular é o mesmo que faz questão de estar representado ao mais alto nível na missa inaugural da principal figura da Igreja Católica em Portugal. E isto diz tanto meus senhores.

 

(*oração proferida durante a missa)


 

Adenda: para desmitificar qualquer dúvida, a Presidência da República já publicou no seu site as fotos da cerimónia

 

12
Fev13

O Presidente com que fomos abençoados

David Crisóstomo

 

 

Sua Eminência, Dom Aníbal da Silva, Presidente pela vontade de Deus todo-poderoso, no ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2013, ao tomar conhecimento pelo Espírito Santo da vontade do sucessor de São Pedro em viver uma franciscana vida, enviou uma pia mensagem para a sede da Santa Madre Igreja.

 

Dizem-me que se trata duma mensagem de chefe de Estado para chefe de Estado (aquele que não é membro da ONU, 'tão a ver? Mas pronto, já estou em pulgas pela mensagem da Presidência da República quando a Capitã-Regente de São Marino cessar mandato ou quando o presidente do Cazaquistão não for reeleito). Se essa mensagem é tão protocolar, estatal e formal como se advoga que deva ser, então analisemo-la:

 

“Santo Padre, [Santo Padre deve ser latim para Caro Chefe de Estado, ou Exmo. Papa Bento XVI, sei lá, língua morta & tal]

 

Foi com sentida emoção [ai isto agora é com emoções? o Presidente da República Portuguesa tem 'emoções' sobre as demissões de outros chefes de Estado?] que tomei hoje conhecimento do anúncio feito por Vossa Santidade [again, 'Vossa Santidade' deve ser algum código de boas-práticas entre Chefes de Estado que desconheço; corre o boato que é assim que o nosso Primeiro-Ministro se dirige à chanceler da República Federal da Alemanha, mas não sei, pensei que talvez fosse só uma excentricidade de Massamá] de renunciar ao Pontificado. [porque não dizer Império de Deus na Terra já agora?] Quero, nesta ocasião, sublinhar a admiração profunda do Povo Português por Vossa Santidade [ahn? desculpe? mas ele travou alguma guerra que me tenha escapado? ganhou o Nobel da Paz enquanto eu estava distraído? temos profunda admiração? ai temos? deve ser a do mesmo tipo que temos pelo senhor 'a minha reforma não me chega para as despesas'...] e por um magistério que constitui exemplo de fé [mas que raio?] e de esperança, na defesa dos valores universais da tolerância e da paz. [o da 'igualdade' não deve ser universal, é coisa da minha terra somente] 

Recordo [isto começa a soar como um daqueles prefácios cavaquianos], muito especialmente, a Visita ['a Visita' - nem o anjo Gabriel teve direito a tal 'v' magistral aquando da Anunciação] que efetuou a Portugal em Maio de 2010, e os sinais de afeto e carinho de Vossa Santidade para com o Povo Português [não sabia que os chefes de Estado vinham distribuir 'afecto e carinho' nas suas visitas estatais. olhem, eu não recebi os meus. malditos CTT] que então pudemos testemunhar. 

Reitero o profundo apreço dos Portugueses pela personalidade ímpar e pela sabedoria inspiradora de Vossa Santidade. [isto é uma mensagem estatal ou dedicatória?]

 

Aníbal Cavaco Silva”



E nisto se resume o Presidente da República Portuguesa. A mesma república na qual se completam este ano 102 anos da separação do Estado da Igreja. Aquela cuja Lei da Liberdade Religiosa afirma no nº2 do artigo 4º que 'nos actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade' do Estado Português. E o Supremo Magistrado da nação ignora tudo isto. Se queria manifestar as suas 'emoções' e 'apreços' pelo chefe da Igreja Católica Apostólica Romana, que o fizesse numa mensagem particular, a titulo particular, representando a sua vontade particular - não numa mensagem oficial em representação do Estado Português. 

Perdoem-me, mas já não há pachorra para esta (literal) falta de sentido de Estado.

 

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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