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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

16
Mar16

Castigo indigno

Pedro Figueiredo

Na primeira visita da actual ministra da Justiça à Assembleia da República, Francisca Van Dunem afirmou, a propósito das condições das prisões portuguesas, que o Estado tem o direito de suspender a liberdade aos seus cidadãos pelos crimes por estes cometidos, mas nunca a dignidade. Este deverá ser o ponto de partida com que o senado francês discutirá o projecto de revisão constitucional denominado Protecção da Nação, que hoje e amanhã tem lugar na câmara alta do parlamento francês. A votação final é dia 22.

Para além de alterações ao estado de emergência, o documento prevê também a perda da nacionalidade aos franceses condenados por "um crime ou um delito que constitua um atentado grave à vida da nação". Já nem se fala em terrorismo.

A ideia original apresentada por Hollande ao congresso em Versalhes, três dias depois do ataque ao Bataclan, afectava apenas os detentores de dupla nacionalidade mesmo nascidos em França. No entanto, as críticas de discriminação não tardaram e a emenda foi pior que soneto: o texto final aprovado a 10 de Fevereiro na Assembleia Nacional incluiu todos os cidadãos. Sem excepção. O que, no caso de quem não tem dupla nacionalidade, significa tornar-se apátrida. Algo que o presidente francês, no mesmo discurso de Novembro, havia recusado.

Foi ao argumento de “responsabilidade igual, sanções iguais” que o primeiro-ministro francês se agarrou na audição que teve para convencer os senadores a aprovar um texto que devia envergonhar o berço do Iluminismo. Assim explicaram os dois professores de direito constitucional que o Senado também já ouviu sobre o assunto. “Se o sentimento de pertença a uma nação não forja a ideia de comunidade política então é necessário retirar da Constituição as referências a valores e símbolos como a bandeira, o hino e o lema”, explicou Dominique Chagnollaud, continuando: “Os tempos conturbados em que vivemos são uma boa oportunidade para recordarmos certos princípios”. Os mesmos que serviram de base à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e que contagiou o Mundo de forma a que ainda hoje sirva de guia ideológico. Paris é, pois, um farol em perigo de perder luz. Que valha o Senado.

A questão torna-se ainda mais incompreensível na medida em que a nacionalidade é um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. XV) e qualquer violação é um atentado à dignidade da pessoa. Aqui levada a cabo pelo próprio Estado que se rege pelo princípio jus solis, atribuindo o direito de nacionalidade a todos os que nasçam em solo francês.

O código civil francês, no artigo 25º, já prevê a perda de nacionalidade. No entanto, salvaguarda os casos em que tal implique a criação de apátridas. Não há crime algum, por mais hediondo que seja, que justifique castigos indignos inscritos na lei.

15
Nov12

La France avantgarde. Autre fois.

Pedro Figueiredo



Num balanço mental do que foi esta Greve Geral no dia em que toda a Europa se queixou da austeridade (mesmo aqueles que não a vivem como outros), as imagens das obras de calçada que ocorreram em frente à Assembleia da República não me saem da cabeça. O motivo não interessa porque, como já devem ter percebido pelo título, não foi o dia português que me despertou mais. E antes que me acusem de anti-patriota, não é por desinteresse do que se passa cá dentro. Pelo contrário. Acho é que a solução também vem de fora.


De todas as reportagens que passaram no boa cobertura da Euronews (ainda bem que voltou a passar na RTP) ao dia na Europa, foi a da França que mais me reteu. Fiquei satisfeito pelas manifestações também terem tido vozes na Bélgica, na Áustria e até na Alemanha. Os povos não precisam de pensar pela cabeça da sua classe política. A da França falava em solidariedade e em estado social. As pessoas que estavam na rua a manifestarem-se falavam em acabar com a austeridade, quando nem sequer estão em regime de resgate financeiro. A crise chega a todos, bem sei. Mas, sinceramente, já perdi a própria noção de crise. Quem está pior?


A França foi o primeiro país a virar à esquerda, com Hollande, depois do estrondo de 2008 e da vaga de Sarkozys e Berlusconis. Era o fim do mundo. Cheguei a ler que Hollande jamais poderia cumprir as promessas que fazia por ser tão financeiramente suicida. Voltava-se ao tempos dos gastadores de esquerda que minam tudo com manias de solidariedade. As pessoas, ontem, nas ruas de França falavam e praticavam essa solidariedade. E não foi preciso dinheiro. Foi uma "borla". Do mesmo local de onde veio o Maio de 1968. Que foi considerado para muitos filósofos (Sartre não deve ter sido o único, imaginando que foi dele que saiu esta ideia...) como a mais importante revolução do século XX. Esqueçam lá Cuba, o Outubro Vermelho e as duas grandes guerras.


O próprio filósofo Jean-Paul Sartre, presente nos acontecimentos de maio de 1968 em Paris, confessou, dois anos depois, que “ainda estava pensando no que havia acontecido e que não tinha compreendido muito bem: não pude entender o que aqueles jovens queriam...então acompanhei como pude...fui conversar com eles na Sorbone, mas isso não queria dizer nada”


O farol ideológico oitocentista parece estar a iluminar de novo o caminho. Para quem o quer seguir, claro. É difícil exigir que do berço da crítica da razão pura surja uma total compreensão do que foi realmente a importância da Revolução Francesa. O que estranho é que em Portugal haja quem não entenda o mote que saiu da tomada da Bastilha. Quem não pare para pensar qual seria a reacção dos franceses se lhes abolissem o 14 de Julho.

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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