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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

18
Mai16

O eixo do Neanderthal

mariana pessoa

Não é de agora que o eixo do mal se tornou num fórum de comentário alarve, uma espécie de tasca em que quatro pobre criaturas acham que fazem análise política.

Não é, também, de agora, a minha discordância com Daniel Oliveira. Nem sempre na substância, é verdade. É em tudo o resto. No gesticular apoplético, na postura “entre deus e mim descubra as diferenças”, na aposta total na falta de memória das pessoas, o que lhe permite chafurdar em inconsistências, vociferando sempre com a legitimidade de quem se considera detentor da verdade absoluta. O problema são as pessoas com memória, mas que fazer se isso parece uma nota de rodapé nos curtos ciclos de opinião?

Deixou de me incomodar. Na verdade, só por mero acidente leio ou ouço o que diz Daniel Oliveira. Acontece que houve um acidente desses no último Eixo do Mal. Numa semana em que a AR aprovou um PdL que alarga o acesso à Procriação Medicamente Assistida, com os votos favoráveis das bancadas de PS, BE, PCP, PEV, PAN e 16 deputados do PSD, numa demonstração de consenso raro, sobre que assunto resolveram perorar as criaturas? Sobre esse ultraje que foi o debate sobre diferentes PdL’s que, em comum, visavam (1) um novo estatuto jurídico dos animais no Código Civil português e (2) reforçar o regime sancionatório no caso de crimes contra animais. PdL’s que, aliás, baixaram sem votação à 1ª Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Daniel Oliveira estava incomodado. E, como todos sabemos, quando Daniel Oliveira está incomodado com alguma coisa, vem aí risco de apoplexia televisiva. Daniel Oliveira estava incomodado com (1) os animais poderem deixar de ser ‘coisas’ em termos jurídicos e (2) agravamento das penas para maus tratos animais. Concedendo – tão magnânimo – que será legítimo considerar que um animal deverá ter um estatuto jurídico diferente de um lápis ou de um frigorífico, Daniel Oliveira teme pelo armagedão da Humanidade por causa da possível aprovação destes PdL’s. Então quais são os incómodos de Daniel Oliveira?

(Peço desculpa por optar pela paráfrase e não pela citação directa, mas acho que não mereço ter de rever aquela porcata para explanar o meu ponto de vista)

  • Porque as pessoas no facebook se insurgem mais com um idiota que pendura um animal de um 5º andar do que, por exemplo, com os dramas dos refugiados:

Suponho que o Daniel Oliveira acredite no maniqueísmo dos seres humanos. Ou bem que somos a favor dos animais ou bem que somos a favor das pessoas, está visto. Claro que uma pessoa que considera intolerável um acto de perfídia como atirar animais de uma ravina com uma pedra atada ao pescoço não pode insurgir-se contra o drama dos refugiados no Mediterrâneo. Porque somos todos limitados na nossa capacidade de indignação e não nos podemos indignar com ambas – é a chamada Raquel Varela School of TV Comment. Em mais uma pirueta, este argumento é só mais um sucedâneo daquele giro que tanto tem atormentado o comentador Oliveira, o que determinado assunto “não é uma prioridade”.

 

  • Porque as pessoas dos centros urbanos, imbuídas pelo sofrimento do seu isolamento social, compensam as suas lacunas emocionais nos animais, atribuindo-lhes características e cuidados dos humanos:

 Retornamos ao mundo fabuloso das falácias argumentativas de Daniel Oliveira. A generalização abusiva é a marca de água de mais esta afirmação. Lembrem-se da quantidade de vezes que o cavalheiro aponta o dedo ao populismo e à demagogia (sempre os dos outros, claro), cujo ingrediente essencial é a generalização de uma excepção, contaminando a regra. Ora, eu não sei, nem quero saber, das pessoas com quem se dá o Daniel Oliveira. Mas se ele conhece pessoas que humanizam em excesso os animais domésticos, talvez não seja mau de todo evitar generalizar às pessoas que vivem nos centros urbanos. Terei todo o gosto em fazer-lhe chegar uma lista de profissionais da área veterinária que possam ter a pachorra para lhe explicar que a regra são pessoas que, não obstante terem animais, faltam com a sua obrigação de cuidados médicos mais básicos.

 

  • Porque um dos PdL é proposto pelo PAN, esse partido perigoso e radical, composto por 152% de membros vegetarianos, cujo objetivo último, secreto e perigoso, é impedir que qualquer pessoa à face da terra coma carninha da boa:

 

Bom, já cá faltava este exercício da diabolização do PAN – pouco original, diga-se desde já, num elemento do Livre/Tda. Sim, o PAN defende a homeopatia – na qual não vejo qualquer legitimidade científica. Sim, o PAN tem inclinação para projetos que revejam o consumo de carne e a saúde pública. Mas não, Daniel Oliveira, minha Isilda Pegado de esquerda: não vai ser proibido comer picanha. As opções individuais no consumo dos membros do PAN são lá com eles.

 

  • Porque (uma das minhas favoritas) “a natureza é violenta”, pelo que …não interessa, a natureza é violenta e não devemos mexer na natureza (ou lá o que ele quis dizer no meio de mais uns dichotes histriónicos e uns murros na mesa):

 

Suponho que este princípio também se aplique aos canis/gatis municipais. Proponho que se acabe então com esta coisa de saúde pública e assim - a natureza é violenta e pronto, ainda se poupam uns cobres nesta coisa de gastar dinheiros públicos. Talvez o comentador Oliveira já não veja obstáculos à aplicação de dinheiros públicos para financiar a tourada. (podia ter começado por essa declaração de interesses, mas preferiu entreter os papalvos com umas piadolas de tasca acerca da rebelião dos seus gatos lá em casa).

 

  • Por outro lado (momento de comic relief, atenção), quando propomos o agravamento do quadro penal para quem comete crimes contra animais, estamos a colocar de lado o “Humanismo”:

 

Suponho que o afirma porque considera que o Humanismo é antropocêntrico e tudo o que sejam direitos dos animais é absolutamente secundário, não interessa. O comentador Oliveira prossegue, imparável: não me venham com histórias sobre a comparabilidade dos direitos das minorias e a evolução destes através dos tempos (secundado pelo parceiro de taberna, Pedro Marques Lopes). Não precisamos, meu Carlos Abreu Amorim de Carnaxide. A razão pela qual se defende um novo estatuto jurídico para os animais ou o agravamento das penas para maus tratos, é justamente por causa dos animais…humanos. Eu não sei como está o tempo na Idade Média em que Daniel Oliveira parece viver, mas na verdade, acho que tenho uma novidade para lhe dar: vivemos num ecossistema em que aquilo que acontece a uma espécie ou subsistema, tem impacto em todos os seres vivos, nas quais se encontram todos os seres humanos. Não deixa é de ser enternecedor o modo como este fala do TTIP de punho cerrado na sua dimensão ambiental, para depois fazer de conta que se esquece que tudo o que são direitos dos animais são direitos das pessoas também. É tão simples que até dói.

 

  • Por fim, a ameaça pouco velada ao Bloco de Esquerda. Daniel Oliveira, o puro e íntegro, cidadão da Idade do Bronze, defende que a pulsão sancionatória dos projectos de lei do BE, advém tão-somente de querer captar eleitorado ao PAN:

 

Perguntinha singela: então o projecto lei do PS, partido radical nestas causas como se sabe (é favor ler ironia aqui), assinado por esse perigoso deputado Pedro Delgado Alves, também não prevê um agravamento da moldura penal dos maus tratos a animais? Olha, parece que sim, mas isso pouco interessa a Daniel Oliveira. A diferença entre os PdL’s é a proporção em que se propõe o aumento da pena. Mas a deriva da penalização de comportamentos tem de implicar, para o maniqueísta comentadeiro, uma desvalorização da componente educacional. Suponho que seja assim que Daniel Oliveira propõe fomentar o combate à evasão fiscal na economia informal. “Umas palmadinhas no rabo e que não se repita, Sr. Cidadão”, deve ser a proposta de Daniel Oliveira.

 

Não tomo o comentador Oliveira por preguiçoso, mas como somos todos muito ocupados, aqui vai um resumo estilo Europa América sobre as propostas de quadro penal dos 3 grupos parlamentares, com o patrocínio de Pedro Assis Cadavez.

 

O alarme de armagedão sobre a humanidade está lançado: qualquer dia dá-se tantos, mas tantos direitos aos animais, que vamos ter animais não humanos a mandar nos animais humanos. O que é tremendamente divertido em alguém como Daniel Oliveira que, a propósito de tudo e de um par de botas, aponta o dedo ao alarme social causado pelos populismos.

Não deixa de ser de uma ironia quase subtil que um dos rostos públicos que mais pugnou pela necessidade de compromissos à esquerda, seja capaz de levantar tantas e tão infantis objecções num assunto que não só obteve consensos à esquerda como, pasme-se!, até à direita. Mas é assim a vida de comentadeiro no Eixo do Neanderthal.

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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