Em 4 anos tivemos a magnânima honra de ter uma maioria parlamentar que agiu em duas dezenas de vezes contra a Constituição da República Portuguesa, seja na sua vertente do Estado-Providência que todos os partidos com assento parlamentar se comprometeram a defender e melhorar ao longo dos últimos 40 anos, seja na básica vertente democrática das provisões legais do Estado de Direito, do primado da lei e dos princípios que nos gerem enquanto sociedade. E 4 anos depois, eleições passadas, nova legislatura por começar, XX Governo Constitucional por empossar, essa mesma maioria parlamentar pode, ao que tudo indica, ser exilada para a oposição porque o sistema político-constitucional parece funcionar contra ela. Ou, caso a "tradição" se mantenha (a de ser impossível um governo de coligação à esquerda, não a outra que querem agora inventar), o sistema continuará a privilegiar o seu retorno ao governo, desta vez minoritário, desta vez sempre dependente de um parlamento que a qualquer altura a pode derrubar.
Todavia, ceteris paribus, se o parlamento derrubar o 5º Governo Constitucional com a participação do Dr. Paulo Portas, quando poderemos recompor então um novo parlamento?
"A Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição" determina o artigo 172.º do texto constitucional. Como todos nos recordamos, no passado 4 de Outubro todos os cidadãos portugueses residentes e os cidadãos brasileiros com o estatuto de igualdade de direitos e deveres, recenseados automaticamente até 4 de Agosto, puderam (e muitos exerceram) o seu direito de voto na sua secção de voto; os cidadãos portugueses residentes fora do território nacional terão recebido (e muitos não o receberam) e enviado por correio até 4 de Outubro o seu boletim de voto e os documentos legalmente exigidos para o seu voto ser contabilizado (operação essa realizada no passado dia 14 de Outubro/15 de Outubro). Ora, isto faz com que "seis meses posteriores" seja na segunda-feira 4 de Abril de 2016. Ouvido o Conselho de Estado, o/a (próximo/próxima) Presidente da República poderá assinar o decreto que dissolve o parlamento nacional português nessa data e marcar o novo acto eleitoral. A Lei Eleitoral para a Assembleia da República clarifica que a marcação de eleições "em caso de dissolução" terá que ser realizada "com a antecedência mínima de 55 dias" - portanto, dissolvido o parlamento a 4 de Abril, as eleições apenas se podem realizar no "domingo ou feriado nacional" mais próximo dentro deste prazo: 29 de Maio ou 5 de Junho. A legislação determina que "o apuramento geral estará concluído até ao 10º dia posterior à eleição", sendo que, para contabilizar o máximo de número de votos possíveis para os círculos da Europa e Fora da Europa, o apuramento geral destes círculos e, por consequência, de todo o acto eleitoral é sempre feito no décimo dia após a data da eleição. Apesar de a lei eleitoral dar à Comissão Nacional de Eleições 8 dias para publicar em Diário da República o mapa oficial com o resultado das eleições, a CNE tem por hábito ser bastante célere e, a título de exemplo, nas últimas três eleições legislativas demorou 2 dias (2011), 3 dias (2009) e 6 dias (2005) a realizar a devida publicação (para estas eleições estimava-se que, com o fim-de-semana, demorasse 5 dias, mas à hora em que escrevo isto, não constava no Diário da República nenhuma publicação da CNE, pelo que só amanhã ou possivelmente quarta-feira poderemos ter resultados oficiais, deduzindo eu que nenhum recurso ao Tribunal Constitucional possa atrasar ainda mais o processo). A Constituição, no artigo 173.º determina ainda que a Assembleia da República reunirá pela primeira vez na nova legislatura no terceiro dia após a publicação em Diário da República.
Resumindo, dando 5 dias (3 dias úteis, com um fim-de-semana pelo meio) à CNE, estamos reféns disto:
![lixados.png lixados.png]()
(sim, eu sei, tenho muito jeitinho pra grafismo)
Aconteça o que acontecer, com ou sem os cenários previstos há bué pelo senhor Presidente da República, com ou sem maioria parlamentar, estamos todos amarrados a esta composição parlamentar até, melhor cenário, meados de Junho. E, até lá, funciona a Assembleia da República, funcionam os representantes eleitos dos cidadãos da República.
Sejamos bem-vindos ao Parlamentarismo.