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Jul14
De Angola, sempre com amor
Pedro Figueiredo
Os editoriais do Jornal de Angola estão a ganhar a repercussão desejada pelos autores na imprensa portuguesa. A mim, revelam-me, antes de tudo, um qualquer tipo de ressabiamento inexplicável, embora as críticas e opiniões sejam todas legítimas, independentemente do tom que possam usar. São apenas e só isso mesmo: opiniões. Que no caso do Jornal de Angola parecem-me servir de caixa de ressonância da voz do dono, já que me custa a crer que haja liberdade de imprensa naquele país. Que já visitei e cujas pessoas adorei conhecer. Gostam genuinamente de Portugal e dos portugueses.
O último episódio surgiu por causa da entrada da Guiné Equatorial na CPLP e da posição incómoda em que Portugal ficou, perceptível pelo silêncio revelador dos representantes portugueses na última cimeira, em Díli.
As raízes linguísticas a que o editorial se refere, pelos vistos, estão demasiado fundas e não chegam à população. É que umas das obrigações da Guiné Equatorial (para além da abolição da pena de morte), é a promoção do português como língua mais falada, já que é o castelhano que predomina no país. Quanto à questão da pena de morte, argumento que na linha de raciocínio do mesmo editorial, é um tema "muito débil", apresentando o exemplo dos Estados Unidos.
Classificar uma questão como a pena de morte como "muito débil" é, por si só, revelador do pensamento de quem a profere. E se, como acusa o editorial, Portugal não tem nada que andar a dar lições de democracia a ninguém quando tem crianças a morrer de fome, o autor da texto deve achar que a realidade angolana resume-se à baía do Mussulo e que melhor que isso, só os lagos nos Alpes suíços.
Já não é a primeira vez que o editorial usa a expressão "elites portuguesas ignorantes e corruptas", o que constituiu, igualmente, outra extraordinária ironia semântica. A mesma expressão surgiu em outras ocasiões, mas com o acrescento dos intelectuais. Como se se tratasse de uma entidade abstracta, sem rosto, demoníaca, que ainda hoje subjuga as antigas colónias. A mesma elite que celebra e homenageia as obras de Pepetela ou ainda a que permite a pessoas como Rafael Marques publicar livremente o que quer e o que investiga.
Portugal pode, e provavelmente nem quer, dar lições de democracia a ninguém. Mas Angola, nesse aspecto, tem ainda um longo caminho a percorrer, tão grande como as diferenças sociais existentes. Isto deverá refrescar a memória do autor do editorial.
Talvez esteja na hora do ministro dos Negócios Estrangeiros português pedir novamente desculpa. Por qualquer coisinha.