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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

28
Abr15

Um texto cósmico

CRG

"Surgiu há alguns anos uma nova figura nos jornais que é a do cronista desenvolto e com a presunção de ser inconveniente, mas que em vez de suscitar polémica consegue ganhar a ampla reputação pública – sem que ninguém assome em sua defesa – de estúpido e cretino. Esta categoria – e é dela que aqui falarei e não de qualquer das suas manifestações específicas – é um achado, um verdadeiro ovo de colombo: avançando de rosto descoberto ou mascarada de ousadia intelectual, a estupidez atrai, exerce um fascínio a que é difícil resistir. Por isso, tem uma vasto público garantido, faz subir o rating das audiências. Além disso, deixa-nos completamente desarmados porque é difícil e sempre pretensioso denunciá-la, como nos ensinou Musil, numa conferência que pronunciou em Viena, em 1937, sobre essa magna e universal questão que se tornou um tópico da modernidade, desde o Bouvard et Pécuchet, de Flaubert. A dificuldade em nomeá-la reside na armadilha inevitável que nos lança: não podemos falar dela e analisá-la sem uma presunção de inteligência. E a presunção de inteligência é, como sabemos, uma prova de estupidez inelutável. Ainda assim, conscientes de que ainda só vamos no primeiro parágrafo e já caímos na armadilha fatal, avancemos. Mas não sem antes formular uma outra fatal contradição a que este texto sucumbe, mesmo sem nomear ninguém e procurar deter-se numa categoria: a contestação e a risota de que é alvo o cronista estúpido e cretino são a garantia do seu sucesso e asseguram-lhe longa sobrevivência. Ele assumiu a missão de restaurar com grande aparato a função-autor, até ao ponto de lhe dar a feição demagógica de um estilo, já que a exibição de um estilo é sempre o triunfo de traços demagógicos e de um sujeito insolente, vazio e muito vaidoso. Como é sabido, a estupidez tem uma relação estreita com a vaidade. E o idiota, como evidencia claramente a etimologia do termo, polariza-se de maneira obsessiva sobre o seu Eu e confere um privilégio desmesurado ao seu ponto de vista. Estes “autores” não dizem nada sem que se intrometa o Eu, indiferentes à regra que diz: quanto mais o sujeito da enunciação atribui a si próprio uma enorme importância, mais os seus enunciados são vazios. Muitas vezes pretendem ter a coragem do desafio intelectual, mas o que são de facto é alarves, sem filtro e sem distância crítica. Chegam a reivindicar a condição de resistentes, de nadarem contra a maré, mas tudo neles é adesão mimética e acrítica a uma ideologia espontânea, colagem à estupidez ambiental, incapacidade de saírem de si mesmos. A linguagem da idiotia sustenta-se na ilusão de que equivale a um pensamento autónomo e suficiente. E serve o empreendimento do marketing intelectual. Quando acha conveniente defender-se, o idiota entra no jogo da martirologia. Esse é um dos papéis que ele, clown de serviço, gosta de representar. Nessa função, ele repete com frequência uma tirada que é o exemplo mais estúpido de contradição performativa: “Vou ser politicamente incorrecto”. E o que se segue é geralmente a mais correcta alarvidade. Traduzida numa categoria estética, a estupidez destes cronistas é um grandioso empreendimento do Kitsch, triunfo da imanência que nos dispensa a experiência da distância e suprime todo o obstáculo à adequação imanentista. Esta forma de estupidez, que só quem se subtraiu a este mundo não reconhece facilmente, é a manifestação estética e moral de uma presença que nos é familiar e assume mesmo a missão de estabelecer com os leitores uma relação de familiaridade, à maneira de uma conversa de tagarelas."

 

A estupidez como vocação - António Guerreiro

 

 

30
Out13

Guardiões da pátria

David Crisóstomo

Face às exigências do senhor deputado Duarte 'dava um murro na tromba ao Sócrates' Marques para que "se cumpram os princípios do Estado de direito, onde o insulto ao chefe de Estado é alvo de penalização criminal", tomo a liberdade de deduzir que este fiel zelador das doutrinas democráticas da nação já entregou umas milhentas queixas na Procuradoria-Geral da República devido à aparentemente insistente violação disto aqui:


Artigo 10.º
Coacção contra órgãos constitucionais


1 - O titular de cargo político que por meio não violento nem de ameaça de violência impedir ou constranger o livre exercício das funções de órgão de soberania ou de órgão de governo próprio de região autónoma será punido com prisão de dois a oito anos, se ao facto não corresponder pena mais grave por força de outra disposição legal.

 

 

Não? Epa, isso é que já decepciona, pois é sempre arrebatador testemunhar a magnificência de um grande defensor do Estado de Direito, que já no passado deu provas do seu superior intelecto nesta matéria:

 

 

 

Pois bem, fica notado. O senhor deputado Duarte Marques não gosta de queixinhas nem de gente que adjectiva de forma mais correcta o actual inquilino do Palácio de Belém. Brincar com coisas sérias não é com ele, é um tipo íntegro, faz parte do séquito de senhores muito responsáveis que nos representam. Aqueles que andam a tratar a Constituição com os pés e a culpar o Tribunal Constitucional pelo desastre nacional. Mas ai de quem ouse classificar os actos e as declarações do senhor Presidente da República como uma 'traição' face ao juramento que o próprio prestou, ah não, isso não, isso é que já não pode ser, acudam que o Estado de Direito está a ser atacado, é intolerável!

 

É gente com princípios, recheada deles. É a 'gente séria' em todo o seu esplendor.

 

30
Ago13

Dúvida existencial: O que é que é mais grave...

Cláudio Carvalho

... o líder da juventude partidária afeta ao "partido do governo" assumir o controlo político-partidário (pelo seu partido) de uma entidade pública empresarial

 

 

 

ou

 

... o anterior líder dessa mesma juventude partidária não saber que, nos últimos 5 anos, houve 2 eleições em Angola que conduziram José Eduardo dos Santos - que critica - à "liderança política do povo angolano" (através do seu partido nas legislativas de 2008 e através da sua eleição indireta nas eleições gerais de 2012)

 

?

15
Mai13

Carta Barata

David Crisóstomo

Exmos.

Presidente da Comissão Europeia, Dr. José Manuel 'Cherne' Durão Barroso

Presidente do Banco Central Europeu, Dr. Mário Draghi

Diretora-Geral do Fundo Monetário Internacional, Dra. Christine Lagarde

 

Peço desde já desculpa pela forma como escolhi comunicar com vossas sapiências da ciência económica. Estou ciente que qual Marquês de Chamilly, vós também devereis estar saturados de receber tantas lettres portugaises. Imagino também que após a aparição da nossa Nossa Senhora da Fátima, que vos ordenou a conclusão da sétima avaliação, devereis estar fartos de interpelações lusitanas. Prometo ser breve.

Venho por este meio dirigir-me a vós sobre um assunto que me apoquenta. Estareis, como génios que sois, certamente ao corrente de que devido aos anos de investimento e preparação educacional, a actual juventude portuguesa é a mais bem qualificada que aqui este vosso paísinho intervencionado alguma vez possuiu. Todavia, temos as nossas ovelhas negras. Conhecereis de certo o caso do Dr. Hugo Soares, líder dos jovens do partido do nosso grande líder primeiro-ministeral. O deputado Hugo, coitado, não foi abençoado com um intelecto particularmente avançado. Ele lá aprendeu a distinguir uma laranja duma flor, mas, 'tadinho, não avança disto. Ele ainda crê que o seu partido, the little oranges, possa ganhar uma qualquer eleição nos próximos tempos. Chama-se a isto fé, caros senhores da troika. Não creio que haja muita coisa a fazer por ele. Nem pelo seu antecessor, o fã nº1 de governo húngaro, o desolado-por-não-ter-podido-realizar-o-exame-do-4º-ano, o excelentíssimo Dr. Duarte Marques. São mentalmente pobres, mas honrados. Mas escrevo-vos para vos alertar para um caso onde a vossa intervenção, patrocinada pela azinheira divina, nos possa ser de grande utilidade: Joana Barata Lopes, também deputada pelo PSD e membro da elite jotaéssêdiana, não é uma criatura também especialmente dotada. Por desconhecer o que era a Segurança Social e como esta era financiada (concluimos daqui que ou terá chumbado a Economia A no ensino secundário, ou escolhido uma disciplina mais útil para as suas causas de militância - Geologia, quiçá), Joana estava muito inquieta com a reforma da avó. Radiante ficou ela quando soube que ia ajudar a pagar os gastos da avozinha com medicamentos e alimentos. Ficou toda a contenta, senhores da troika, "11% são para a vóvó", cantarolava ela. Mas eis que, sob vossas sábias orientações, o nosso primeiro-ministro anuncia ao país que as pensões são um fardo para a despesa do Estado e que estas, para garantir um futuro alegadamente 'sustentável' lá para 2057, tinham que ser violentamente cortadas e taxadas. Joana reflectiu e, após horas de meditação, concluiu: 'Olha porra, que se foda a vóvó, que se a troika manda, então é para cortar à bruta'. Leiam vocês mesmos: 

 

"Se a troika diz que precisamos cortar quatro mil milhões estruturais pela e para a sustentabilidade do Estado, então o que a minha geração tem de dizer é que se corte os milhões que forem precisos - porque se a troika define os mínimos do sustentável é obrigação dos jovens exigir um país que seja muito para lá dos "mínimos" da sustentabilidade."


Brilhantíssimos senhores da troika, peço-vos, rogo-vos pela sanidade deste vosso pequeno território intervencionado: podeis, pela graça da Nossa Senhora que vos chateia feita parva, decretar que para cumprimos os 'mínimos do sustentável' a deputada tenha que imediatamente se demitir e rumar até um vilarejo num qualquer vale inacessível do Cavaquistão? Por favor, é que como já deveis ter entendido, aqui a Joana fará qualquer coisa que vós lhe ordenares. Aliás, ela irá para lá dessa ordem. Logo, se lhe prescreveres um desterro para as Berlengas, a moça provavelmente exilar-se-á na ilha de Santa Helena. E sabeis tão bem como eu que a presença de membros da direção da JSD em órgãos de soberania é inversamente proporcional à produtividade média nacional. Por isso, tende piedade sobre nós, oh doutos senhores da troika, sejais misericordiosos. Este vosso pais ficará a odiar-vos um bocadinho menos se nos fizeres este magno favor.

Avé sô dona troika.

 

05
Abr13

Vilafrancada

David Crisóstomo

 

É por estes dias que se vê a juventude e imaturidade da nossa democracia. Ou, mais precisamente, duma certa classe politica que diz ser de 'direita'. Como sempre tive respeito por todas as ideologias políticas, fossem elas mais à esquerda ou mais à direita do meu pensamento, prefiro não identificar estes fulanos como 'de direita'. São um outro tipo, um outro género, algo assim mais básico e primário, idiota vá, que não percebe o que diz, não entende a capacidade dos seus actos, não compreende a dimensão dos seus pensamentos. São a inconsequência personificada.

Desde a ascensão ao poder do grupo de ineptos que actualmente nos governa que, devido ao 'ar do tempo', se lançou uma nova cruzada ideológica e libertadora. O alvo dessa campanha desonesta e odiosa? A Constituição da República Portuguesa.

 

A Constituição é, de repente, a fonte de todo o mal. É ela a culpada da crise, da austeridade, do estado da economia, do descalabro financeiro, do caos social, da alegada ingovernabilidade deste povinho. A CRP é, aos olhos destes cegos, um pedaço de folhas insensatas e tiranas que, de modo a entrarmos nessa nova fase em que a economia vai crescer feita doida assim do nada, tem que ser rasgada, queimada, apedrejada. É devido à lei fundamental do país que isto 'está como está', clamam estes libertadores. Temos que nos livrar dela, concluem. 

 

E não nos faltam exemplos dessas declarações de amor ao 'anti-constitucional'. Henrique Raposo, essa ínclita promessa nacional no ramo da sabujice, essa amalgama potencial dos genes de Miguel Relvas com os de Manuel Maria Carrilho, esmerou-se na terça-feira passada e, (citando Duarte Marques) 'mais um vez em grande', vomitou esta trova (e levou uma boa resposta do Domingos Farinho). Eduardo Catroga, grão-mestre da ordem dos pelos púbicos, declarou que o texto constitucional português era um 'entrave à governação'. Na imagem acima vemos Michael Seufert, o deputado do CDS dos jotinhas populares na Assembleia da República, a anunciar o seu 'desprezo' pela CRP. And we could go & on...

Há uns mais comedidos, é certo. Luis Montenegro não se importava se simplesmente se extinguisse o Tribunal Constitucional, para ver se não dava mais chatices. Teresa Leal Coelho relembra mesmo que o tribunal também está vinculado ao memorando da troika (ou seja, por corolário lógico, que o memorando de entendimento tem supremacia sobre a letra e o espírito da Constituição). O abominável César das Neves acusa o Tribunal Constitucional de ter desgraçado o país (e de que Portugal necessita dum regime não-democrático para controlar a despesa...). Por sua vez, múltiplas vozes clamam por uma revisão constitucional (a sétima), desde aquela academia de intelectualidade benjamim brejeira que é a JSD (que inculpa a Constituição de ter 'falhado' por não ter garantido o Estado Social ou o desenvolvimento económico do país ou lá o que raio), ao bastião dos valores democráticos que é o PSD-Madeira (cujo líder diz que a 'Constituição criou uma teia no regime político') - a maioria de dois terços necessária para aprovar tal revisão no parlamento é algo que escolhem, aparentemente, ignorar.

 

É por estes dias que se vê a juventude e imaturidade da nossa democracia. A Vilafrancada foi uma revolta levada a cabo em 1823 pelos partidários do absolutismo, patrocinados pelo infante D. Miguel, pela rainha consorte D. Carlota Joaquina e pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, cujo objectivo era o de derrubar o recém-criado regime liberal e revogar a primeira Constituição portuguesa. O rei D. João VI, que um ano antes tinha jurado cumprir e proteger a Constituição, nada fez e acabou no final por aceitar a revolta. Mas a história não se repete, não é?

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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