A direita portuguesa, essencialmente por duas motivações distintas que convergem apenas na sua finalidade, tem vindo a criticar a Constituição da República Portuguesa (CRP), exigindo a sua urgente alteração.
O primeiro motivo deve-se à óbvia incapacidade governativa em fazerem cumprir os propósitos do memorando de entendimento, sem concretizarem politicamente a retórica oca pró-reformista do Estado e das suas «gorduras», aquando do «quente período eleitoral de 2011». Sinteticamente, em fazer cumprir a maior burla política de sempre. Ora, a CRP que serviu de arma de arremesso político, no passado, contra outros governos, agora tem que ser mudada a todo o custo.
O segundo motivo, nem sempre associado ao primeiro, prende-se com um hediondo ajuste de contas histórico, com o intuito de rasgar o contrato social construído ao longo de quatro décadas. Os argumentos que suportam as motivações não fogem à regra: a CRP é (supostamente) rígida, (supostamente) coletivista e (supostamente) não serve o princípio da sustentabilidade das finanças públicas.
O discurso vazio e sevandija dos liberais do «burgo» procura fazer esquecer que o princípio da sustentabilidade das finanças públicas foi, por exemplo, reforçado - bem ou mal, não interessa para o caso - recentemente com a introdução do objetivo orçamental de médio prazo, vulgo «a regra de ouro», no enquadramento jurídico-legal nacional (inclusivamente, com o voto do grupo parlamentar do Partido Socialista). Mais, a União tem reforçado os princípios de coesão macroeconómica e orçamental. Mais importante do que este pormenor, importa reforçar esta característica peculiar de certa direita nacional que considera que um contrato social tem que estar dissociado de quem o legitima e que eventuais alterações a esse contrato social não têm que ter a concordância ou apoio popular. Um novo contrato social, para eles, tem primariamente que garantir o cumprimento de responsabilidades para com os credores. Para certa direita, uma Constituição é um despacho ministerial, em que o soberano exerce a autoridade discricionária sobre os cidadãos. Para certa direita, uma revisão constitucional deve ser dar-lhes um «cheque em branco», para efetivarem as suas crenças ideológicas contra a vontade popular. Para certa direita, um contrato social é um contrato para com os credores financeiros e não para com os seus cidadãos. Para certa direita, voltar ao século XVII e XVIII é a única solução para garantir a sustentabilidade das finanças públicas e garantir que as «contas da mercearia» são pagas a horas. Quanto atrevimento, quanto autoritarismo, quanta incapacidade política, quanta falta de vergonha...