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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

26
Jul14

Responsabilização parlamentar (II)

David Crisóstomo

O Voto n.º 210/XII/3.ª, apresentado pelo Bloco de Esquerda, foi ontem a votação no plenário da Assembleia da República. 

 

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) encontra num dos seus princípios fundadores 'o primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social'. Estes valores têm uma exigência inerente a todos os estados membros da CPLP, bem como a todos os estados que pretendam aderir a esta comunidade.

A Guiné Equatorial não é um país que respeite nenhum destes princípios fundadores e a sua admissão na Comunidade de Países de Língua Portuguesa revela uma cedência intolerável. Trocaram-se os valores da defesa dos direitos humanos pelo petróleo e gás natural.

A Guiné Equatorial é governada por um ditador há 35 anos. Teodoro Obiang ascendeu ao poder depois de um golpe de Estado sangrento em 1979. O país é um dos mais corruptos do mundo segundo a Transparency International, figurando na posição 163 entre 177 países analisados.

É um país onde é permitido a Obiang governar por decreto, concentrando nele grande parte do poder de Estado, e onde a pena de morte, ainda que tenha sido suspensa, ainda faz parte do quadro legal.

Não existe liberdade de expressão, nem liberdade de imprensa, como é referenciado por diversas organizações não-governamentais, por exemplo a organização Repórteres sem Fronteiras. Este é, apesar de tudo isto, a partir de dia 23 de julho, um membro de pleno direito da CPLP, contando com a aprovação de Portugal.

É uma aprovação que envergonha Portugal. E nem o facto da Guiné Equatorial ter feito do português a sua terceira língua oficial desvia as atenções do óbvio: na Guiné Equatorial não existe um primado de primado de paz, de democracia, de Estado de direito, de respeito pelos direitos humanos e de justiça social.

Existe, isso sim, petróleo e gás natural, mas não se pode tolerar que isso baste para legitimar um regime opressor de todo um povo.

 

O texto foi lido e submetido a votos. Foi aprovado pela totalidade da bancada do Bloco de Esquerda e rejeitado pelas bancadas do PSD e do CDS-PP. No PS, existiu uma divisão entre os deputados, com apenas metade dos parlamentares socialistas a seguirem o sentido de voto decretado pela direcção da bancada parlamentar.

Na bancada do PS votaram contra o voto de condenação da entrada da Guiné-Equatorial na CPLP os deputados:

Fernando Serrasqueiro
Acácio Pinto
Alberto Martins
António Cardoso
Bravo Nico
Celeste Correia
Elza Pais
Fernando Jesus
Jacinto Serrão
João Paulo Pedrosa
Jorge Fão
Jorge Manuel Gonçalves
Jorge Rodrigues Pereira
José Lello
José Magalhães
Luís Pita Ameixa
Miguel Coelho
Miguel Freitas
Miguel Laranjeiro
Miranda Calha
Mota Andrade
Nuno Sá
Paulo Campos
Maria de Belém Roseira
Marcos Perestrello
Pedro Farmhouse
Ramos Preto
Renato Sampaio
Rui Paulo Figueiredo
Rui Pedro Duarte
Sónia Fertuzinhos
Vitalino Canas
Paulo Pisco
Ivo Oliveira

 

Votaram a favor os deputados socialistas:

Ferro Rodrigues
Jorge Lacão
Alberto Costa
Filipe Neto Brandão
Ana Paula Vitorino
André Figueiredo
Euridice Pereira
João Soares
Rosa Albernaz
Maria Antónia Almeida Santos
Eduardo Cabrita
Gabriela Canavilhas
Idália Serrão
Agostinho Santa
Catarina Marcelino
Isabel Oneto
Luísa Salgueiro
Glória Araújo
João Paulo Correia
Carlos Enes
Sandra Pontedeira
Mário Ruivo
Isabel Santos
Inês de Medeiros
Sérgio Sousa Pinto
João Galamba
Isabel Moreira
Pedro Delgado Alves
Pedro Nuno Santos

 

Os deputados do Partido Comunista Português e do Partido Ecologista "Os Verdes" optaram pela abstenção na condenação da entrada do regime totalitário na Comunidade de Países de Língua Portuguesa. A estes juntaram-se ainda os deputados do PS Vieira da Silva, Pedro Marques, Laurentino Dias e Odete João.

 

Na bancada socialista estiveram ausentes 7 deputados, entre os quais António José Seguro.

 

26
Jul14

De Angola, sempre com amor

Pedro Figueiredo
Os editoriais do Jornal de Angola estão a ganhar a repercussão desejada pelos autores na imprensa portuguesa. A mim, revelam-me, antes de tudo, um qualquer tipo de ressabiamento inexplicável, embora as críticas e opiniões sejam todas legítimas, independentemente do tom que possam usar. São apenas e só isso mesmo: opiniões. Que no caso do Jornal de Angola parecem-me servir de caixa de ressonância da voz do dono, já que me custa a crer que haja liberdade de imprensa naquele país. Que já visitei e cujas pessoas adorei conhecer. Gostam genuinamente de Portugal e dos portugueses.


O último episódio surgiu por causa da entrada da Guiné Equatorial na CPLP e da posição incómoda em que Portugal ficou, perceptível pelo silêncio revelador dos representantes portugueses na última cimeira, em Díli.


As raízes linguísticas a que o editorial se refere, pelos vistos, estão demasiado fundas e não chegam à população. É que umas das obrigações da Guiné Equatorial (para além da abolição da pena de morte), é a promoção do português como língua mais falada, já que é o castelhano que predomina no país. Quanto à questão da pena de morte, argumento que na linha de raciocínio do mesmo editorial, é um tema "muito débil", apresentando o exemplo dos Estados Unidos.


Classificar uma questão como a pena de morte como "muito débil" é, por si só, revelador do pensamento de quem a profere. E se, como acusa o editorial, Portugal não tem nada que andar a dar lições de democracia a ninguém quando tem crianças a morrer de fome, o autor da texto deve achar que a realidade angolana resume-se à baía do Mussulo e que melhor que isso, só os lagos nos Alpes suíços.


Já não é a primeira vez que o editorial usa a expressão "elites portuguesas ignorantes e corruptas", o que constituiu, igualmente, outra extraordinária ironia semântica. A mesma expressão surgiu em outras ocasiões, mas com o acrescento dos intelectuais. Como se se tratasse de uma entidade abstracta, sem rosto, demoníaca, que ainda hoje subjuga as antigas colónias. A mesma elite que celebra e homenageia as obras de Pepetela ou ainda a que permite a pessoas como Rafael Marques publicar livremente o que quer e o que investiga.


Portugal pode, e provavelmente nem quer, dar lições de democracia a ninguém. Mas Angola, nesse aspecto, tem ainda um longo caminho a percorrer, tão grande como as diferenças sociais existentes. Isto deverá refrescar a memória do autor do editorial.


Talvez esteja na hora do ministro dos Negócios Estrangeiros português pedir novamente desculpa. Por qualquer coisinha.
«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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