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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

09
Dez16

Dinossauros com Penas: O imaginário, a ciência e a era pós-facto

Frederico Francisco

A descoberta de um fragmento da cauda de um dinossauro não-aviano preservado em âmbar é um evento científico daqueles que acontece uma vez numa década. Nada melhor do que um banho de ciência para nos refrescar da tão proclamada "era pós-verdade" ou "pós-facto". Qualquer de seja a designação, estranho muito a complacência que normalmente acompanha algumas das constatações do advir desta nova era, qual inevitável e inexorável. A associação de temas não é óbvia, mas dêem-me o benefício da dúvida.

Em primeiro lugar, permitam-me explicar porque falo em "dinossauros não-avianos" e não apenas em "dinossauros". Existe hoje um consenso, assente no registo fóssil, de que as aves evoluíram dentro dos Theropoda, grupo de dinossauros que inclui o T-rex e os Velociraptors, celebrizados nos filmes da série Jurassic Park. Desta forma, as aves são, em rigor, dinossauros, daí a distinção entre "dinossauros não-avianos", aqueles que nos habituamos a ver como "dinossauros", e "dinossauros avianos", as aves.

Sobre os dinossauros não-avianos, o nosso imaginário foi construído desde os livros infantis até ao cinema com uma representação destes como criaturas semelhantes a répteis, cobertos de escamas, de sangue frio. As ilustrações que encontramos habitualmente reforçam essa associação na escolha das cores e padrões de cores construídos por analogia aos de crocodilos ou lagartos. A verdade é que, até agora, ninguém fazia a menor ideia de qual era a cor dos dinossauros cujos fósseis podemos encontrar nos museus de história natural.

Quando em 1993 estreou o filme Jurassic Park, ele apresentava aos espectadores uma visão crível e aterradora do que seriam as criaturas que habitavam o planeta até há cerca de 65 milhões de anos. Para além do feito técnico que foi à época, a produção do filme esforçou-se por usar os mais recentes dados científicos disponíveis para ter a melhor aproximação possível da aparência e comportamentos daqueles animais pre-históricos. Tanto mais que, nas duas primeiras sequelas do filme, datadas de 1997 e 2001, há diferenças na aparência de algumas espécies, que acompanham a evolução do conhecimento sobre elas.

Na década seguinte, tornar-se-ia evidente que muitas das espécies de dinossauros não avianos que vimos nos filmes e nos livros infantis e juvenis estavam, na realidade, cobertos de penas, em particular, os famosos T-rex e Velociraptors, reforçando o elo evolutivo com as aves modernas. 

Ora, chegados a 2013 e com esse dado já bastante conhecido e divulgado, há uma nova sequela de Jurassic Park, desta feira, o filme Jurassic World. Apesar da evidente evolução das técnicas e meios ao dispor das equipas de efeitos especiais, permitindo um realismo muito maior, a produção, desta vez, decidiu não acompanhar o progresso feito no conhecimento sobre a aparência dos animais extintos que surgem no filme. Foi uma escolha deliberada de apresentar ao público uma aparência familiar, que não fosse contra as suas expectativas, formadas no imaginário pelos livros e filmes anteriores, de como se parece um "dinossauro".

Naturalmente, trata-se de uma escolha criativa legítima, mas, além de uma oportunidade perdida de divulgação de conhecimento, interpreto-a retrospectivamente como mais um sinal de uma tendência que ignora os factos e reforça as ideias pré-existentes. Isto leva-me a questionar de enviesamento para a confirmação que hoje prevalece tem origem nas redes sociais, como muitos assumem, se estas são apenas mais um sintoma de um movimento cultural que desvaloriza o conhecimento.

A descoberta do fragmento do dinossauro com penas é, de facto, extraordinária. Para além de confirmar para lá de qualquer dúvida a existência de plumagem no dinossauros não-avianos do grupo Theropoda, é a primeira vez que se tem acesso a material original que fez parte de um indivíduo vivo, por oposição a impressões em rochas ou fósseis.

Isto deu-me o pretexto, não só para fazer um pouco de divulgação de ciência, mas de abordar um tema cuja amplitude ainda não é clara para mim. A atitude anti-intelectual, anti-ciência ou, se não "anti", pelo menos "indiferente a", tem ramificações no crescimento das ditas medicinas alternativas, nos negacionistas dos aquecimento global, nos "anti-vaxers" e na propagação de notícias falsas. Vou ficando convencido que estas várias vertentes fazem parte de um mesmo fenómeno de fundo contra o qual não pode haver a mínima hesitação, sob pena de nos deixarmos levar para o obscurantismo.

 

 

16
Mai14

Quem com ferros mata, com ferros morre

mariana pessoa

Num país em que os códigos deontológicos fossem levados à letra, o Dr. Joaquim Grave (veterinário e ganadeiro), depois das pérolas que bolsou no "Prós e Contras" da passada 2ª feira, seria - no mínimo - alvo de um inquérito. Entre variadíssimas pérolas, há uma preocupante, na medida em que se revestiu de cientificidade por parte de um veterinário: "O animal tem dor mas não tem sofrimento".


Perante isto, resta o trabalho ingrato de combater o obscurantismo disfarçado de ciência. A tarefa é hercúlea, mas bom, sabemos que os avanços civilizacionais são penosos e demoram tempo. Exigem, também, assertividade, pedagogia e não destemperos exacerbados, o que francamente não é a regra - de ambos os lados - numa discussão que pode ser apaixonada sem se pautar pelo insulto.


Aqui se pode constatar a falácia do que foi afirmado, a propósito da dor/sofrimento:

 

"A dor e o sofrimento são características biológicas em animais que evoluíram ao longo de centenas de milhões de anos e estão presentes em praticamente todo o reino animal através do processo de seleção natural. Isto porque a dor e o sofrimento têm um papel fundamental na sobrevivência dos animais ao informá-los sobre o que devem evitar. A dor, em particular, avisa o animal que tem de evitar estímulos específicos (ex. fogo). Para este efeito, o animal tem recetores de dor e uma memória que o ajudam a recordar o que causou a dor. O sofrimento tem a mesma função, mas em vez de informar o animal sobre um estímulo a evitar, informa sobre uma situação a evitar. A ciência comprova que todos os mamíferos possuem capacidade de sentir dor e sofrimento.[1]"

 

"As arenas são de facto “arenas” (ou “círculos”) para que o touro não possa encontrar um canto que lhe permita proteger-se dos ataques e são circulares para que, depois de algumas voltas, o animal não consiga identificar e voltar ao local por onde entrou. Tendo em conta este design, sem pontos de fuga, a resposta mais comum do touro não é tentar escapar, mas sim tentar remover o atacante com os seus cornos. Este é um comportamento que pode ser visto em muitos herbívoros quando estão a ser atacados por predadores naturais ou pessoas.12 Contudo, por vezes assiste-se a tentativas de fuga quando o touro tenta trepar as traves da praça.
As investidas do touro não devem ser interpretadas como um ataque, mas como uma forma de eliminar os atacantes (a defesa) para evitar uma situação adversa. Consequentemente, o ataque de touros numa praça é por si só um claro indicador comportamental de sofrimento.[21]

 

Mais aqui.

[1] Marc Bekoff. The emotional Lives of animals. Califórnia, USA: New world library. 2007

[12] Temple Grandin. Genetics and behaviour of domestic animals. Temple Gradin. 1997

[21] Jordi Casamitjana. El sufrimiento de los toros en espectáculos taurinos; la perspectiva de um etólogo. CAS International. 2008

 

18
Jan14

Quando o preconceito esbarra na ciência (I)

Cláudio Carvalho

Resumo: "A growing body of scientific literature demonstrates that children who grow up with 1 or 2 gay and/or lesbian parents fare as well in emotional, cognitive, social, and sexual functioning as do children whose parents are heterosexual. Children's optimal development seems to be influenced more by the nature of the relationships and interactions within the family unit than by the particular structural form it takes." (Perrin, EC 2002)

 

Referência: Perrin, E. C. e F. Comm Psychosocial Aspects Child (2002). "Technical report: Coparent or second-parent adoption by same-sex parents." Pediatrics 109(2): 341-344.

 

(Texto integral a pedido)

11
Out13

Entretanto, as consequências (pesadas) do legado Sócrates relatadas pela OCDE - Parte II

Cláudio Carvalho
Extraído do estudo "Supporting Investment in Knowledge Capital, Growth and Innovation" da OCDE, divulgado ontem, dia 10 de outubro. Tendo por base dados referentes a 2009 e 2010, Portugal ficou no pelotão da frente em termos de incentivos financeiros - por via fiscal ou por via financeira - à investigação e desenvolvimento. Assim, não fica nada fácil, esquecer o «fardo» socialista...
22
Mar13

Nuno Crato e o alvoroço silencioso

Cláudio Carvalho

Quando um executivo tem o "condão" de manter teimosamente o seu elo mais fraco, a inoperância de outros ministros como é o caso do da Educação e Ciência (e da sua equipa ministerial) passa ao lado, mas naturalmente não devia.

Não obstante o sistemático destaque dado a outras matérias vinculadas ao setor, convém alertar para alguns dos problemas menos badalados, mas não menos preocupantes:

  • Das propaladas mudanças quanto ao regime jurídico das instituições de ensino superior, ainda não se conhecem novidades, esperando-se uma implementação em sobressalto, como vem sendo hábito no executivo.
  • Em 2013, os cortes na dotação orçamental para o ensino superior são especialmente “sufocantes” e a cativação de saldos estão a bloquear investimentos vitais para a manutenção de infraestruturas (revelador da incapacidade de Nuno Crato impor-se perante o Conselho de Ministros e, em particular perante o inenarrável Ministro de Estado e das Finanças).
  • A insensatez mantém-se perante a manutenção de disposições no sistema de ação social direta do ensino superior profundamente injustas (e.g. dupla contabilização de rendimentos do agregado, através de contabilização de rendimentos de trabalho e de parte do património mobiliário), algumas das quais inclusive podem estar a ferir disposições constitucionais (e.g. indeferimento de candidaturas de estudantes por dívidas de terceiros).
  • Foi incapaz, numa altura em que se discute fervorosamente a reforma do Estado, de avançar com uma proposta de reforma do sistema de financiamento do superior, introduzindo maior justiça e equidade na componente institucional e conciliando a necessidade de aumentar a base social de “recrutamento”, a equidade e o mérito na vertente estudantil, mesmo considerando a manutenção do “plafond orçamental” para o setor (o que é perfeitamente possível com um bom planeamento).
  • Como seria de esperar, foi incapaz de promover uma interligação – que é fundamental - do setor educacional com a Secretaria de Estado da Cultura (o que também é um problema da génese da própria arquitetura institucional deste governo).
  • Como se não bastasse, tem-se assistido a graves constrangimentos - pelo segundo ano consecutivo - no financiamento de entidades do sistema científico e tecnológico nacional (SCTN), temendo-se o fecho de algumas destas. Concomitantemente, o diálogo com as entidades do SCTN também não me parece que seja o melhor e acatou - a mais do que dispensável - integração da FCCN na FCT.
  • Como se sabe e, também, seria de esperar passou a “papel químico” a sua visão pedagógica retrógrada para os planos curriculares da escolaridade obrigatória.

Nos dias que correm, onde o ruído abunda e o essencial passa a acessório, fica a lembrança para que se saiba como se compromete uma geração quando se coloca o setor educacional e científico num alvoroço silencioso.

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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