Ensaio sobre outra cegueira
O Presidente da República vai conseguir a inacreditável proeza de deixar o cargo sem, provavelmente, nunca ter chegado a perceber a essência do que as suas funções lhe exigiam. Isto dito assim para que possa gozar de uma certa simpatia na análise, apesar de não merecer um pingo que fosse. A instituição que representa e para a qual foi eleito (ainda que com a menor percentagem de votos de sempre da história), não merecia um tamanho descrédito, sobretudo por defraudar as expectativas - alguém as teria, certamente, por muito ou poucos que fossem - de quem lhe conferiu confiança. A mim não me desiludiu porque, como diz um amigo, para isso teria de ter andado iludido.
As suas últimas declarações, sobre uma nova esperança a nascer em Portugal, chegam um ano depois de ter dito, precisamente, que só falar de esperança não chega. As actuais palavras podiam até ser entendidas como um alento aos portugueses, no sentido de lhes fazer que o que aí vem é um país melhor, agora que o resgate está a chegar ao fim e teremos uma "saída limpa". Podia ser entendida se o actual Presidente da República tivesse o carisma para fazer quem o ouve acreditar no que diz. Assim, soa a voz da desgraça, como o antigo coro do teatro grego, só que a usar uma espécie de ironia, ainda que involuntária, o que é ainda mais revoltante.
As declarações foram proferidas em Xangai, na sua visita oficial àquele país, e não podiam ter outro conteúdo. Está fora. Em acção promocional, ainda por cima. No entanto, não correspondem à realidade e isso torna-o grave por sair da boca do mais alto representante do país. Não que minta, mas simplesmente porque a sua avaliação do actual cenário parece-me completamente desenquadrada da realidade. Para ser, mais uma vez, simpático na análise.
Isto no dia seguinte ao Público ter feito manchete com as negociatas ainda por fazer com o beneplácito do Ministério das Finanças. Envolvendo monumentos nacionais. Classificação adiada porque impedia negócios futuros.
Esperança. A nascer, diz o Presidente da República.