Cavaco Silva deixou de ser Presidente da República e têm-se lido, nas redes sociais e em alguns meios de comunicação social, várias críticas ao antigo inquilino do Palácio de Belém.
Salvo algumas declarações de membros dos partidos de direita, não se tem visto o merecido e necessário reconhecimento ao papel de Cavaco Silva para a política e para o país, nos últimos 30 anos.
Não é por Cavaco ser o Presidente com a mais baixa taxa de popularidade da nossa história que não devemos realçar o contributo que a sua intervenção política nos deixa. Vai daí, aqui fica uma pequena lista, não exaustiva, de agradecimentos que quero deixar a Cavaco.
Um agradecimento a Cavaco pela destruição da frota pesqueira nos anos 80, e pela demonstração de coerência ao eleger o mar como o grande desígnio da sua presidência.
Agradecer a Cavaco a atribuição de pensões a dois inspetores da extinta PIDE/DGS, recusando-a a Salgueiro Maia.
Um sentido agradecimento pela forma hábil de lidar com contestação social, de que as cargas policiais na praça da portagem da Ponte 25 de Abril são, talvez, o melhor exemplo.
Agradecer a Cavaco pela genialidade nos negócios, tendo conseguido lucrar milhares de euros com ações da SLN, detentora do BPN, que hoje pagamos todos.
Agradecer, também, pela hipocrisia demonstrada aquando das cerimónias fúnebres de José Saramago, ocasião em que resolveu demitir-se das suas funções e dedicar-se a brincar com os netos.
Há ainda que agradecer a Cavaco pela gentil oferta do Pavilhão Atlântico ao genro, a um custo incrivelmente baixo. Um negócio que nos deve inspirar e motivar a todos.
Portugal deve um enorme agradecimento a Cavaco também pela insólita "inventona de Belém", em que se instrumentalizou, de forma mesquinha, a Presidência da República para fins eleitoralistas, num dos episódios mais vergonhosos da história democrática do país.
Um agradecimento pelo seu lastimável discurso de tomada de posse em 2011, que incluiu um apelo a sobressaltos cívicos, e onde revelou uma peculiar noção do "limite dos sacrifícios", cuja peculiariedade reside no facto deste limite ter desaparecido assim que a direita assumiu a governação do país.
Um último agradecimento, ainda, por ter oferecido à política e ao país figuras como Dias Loureiro ou Oliveira e Costa. Estou certo que estes também lhe estão muito agradecidos.
A lista poderia continuar, mas isto é aquilo que me ocorre no imediato.
O homem que disse que foi à Figueira da Foz fazer a rodagem a um carro, mas que curiosamente levava consigo discursos preparados, ofereceu-nos a todos inúmeras lições sobre como não estar na política. Cavaco é um exemplo vivo de uma má e lesiva intervenção na vida pública, e este texto é apenas uma pequena amostra daquilo que nos deixa e merece ser recordado.
Obrigado.
(na fotografia, Dias Loureiro aponta o caminho, Oliveira e Costa identifica uma nova oportunidade de negócio e Cavaco olha para o lado; desconheço o autor)