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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

19
Nov14

A encenação da democracia

Sérgio Lavos

Todos sabemos para que servem as comissões de inquérito da Assembleia da República: para diminuir a importância de acontecimentos graves sob qualquer ponto de vista e para limpar a imagem dos políticos responsáveis por esses acontecimentos. As duas funções primordiais destas comissões são servidas em longas sessões nas quais os deputados escolhidos pelos partidos ou divertem-se a atacar as figuras questionadas ou a lançar nuvens de fumo e a exibir jogos jogos florais de maneira a que as figuras questionadas não cheguem verdadeiramente a esclarecer o que precisa de ser esclarecido. Um governante anseia por ir a estas comissões de inquérito, verdadeiros tira-nódoas que enublam responsabilidades e distraem os eleitores do que verdadeiramente interessa. O tempo faz o resto; os meses vão passando, as pessoas vão esquecendo, e até o tom de frete vai tomando conta dos cansados corpos dos deputados. No fundo, brincamos todos ao faz de conta, encenamos a democracia: os deputados fingem que vão descobrir alguma coisa, os governantes fingem que vão contar alguma coisa de relevante, nós todos fingimos que é mesmo desta que a comissão de inquérito irá cumprir a sua verdadeira função, revelar a verdade e punir os culpados, expor os responsáveis políticos. 

A previsibilidade da encenação é tão monótona que pouco interessa por exemplo que a ministra das Finanças tenha voltado a mentir (ou algo próximo) no parlamento. Hoje, ao ser repetidamente questionada pelos deputados da oposição sobre o grau de exposição do bolso dos portugueses à nacionalização do BES, afirmou sempre que sim, com aquele ar de pessoa séria que apenas as pessoas sérias de direita conseguem exibir, que sim, que poderemos pagar o resgate do BES. E disse isto revelando tal enfado, tal tédio, que quase sentimos vontade de pedir aos deputados que não cansem a senhora, que se calem. Pois se é verdade que há uns meses ela, e o primeiro-ministro, e o presidente da República, fartaram-se de repetir que não, os portugueses não iriam pagar o buraco criminoso deixado no BES, também não é menos verdade que o tempo tudo cura, e o que não íamos antes pagar agora serão apenas migalhas, uns cortes no salários dos funcionários públicos aqui, uns subsídios de desemprego ali, muito pouco, quase nada, no grande esquema das coisas. No fundo, todos sabíamos que iríamos pagar o crime de Ricardo Salgado e dos outros, e ela, e o primeiro-ministro, e o presidente da República, sabiam muito bem que mentiam quando diziam que não seriam os contribuintes a pagar o resgate do BES. Eles fingiam que diziam a verdade, nós fingíamos que acreditávamos. Neste jogo da trapaça, a verdade é que Ricardo Salgado e o outros administradores ainda não foram presos e o dinheiro continuará a escoar para o buraco deixado por eles. Mas que interessa? Se aceitamos passivamente a encenação, que fazer? O crime quase nunca tem castigo, e, quando tem, a conta será entregue na nossa mesa. Maravilhas do capitalismo moderno. Siga a banda.  

15
Set14

Dizem que o amor eterno chega a durar 3 meses

mariana pessoa
04
Ago14

Um Governo, como habitual, fora da lei

Nuno Pires

 

Já não é a primeira vez que este Governo protagoniza um malabarismo deste tipo.

Em março, o Governo aprovou em Conselho de Ministros a suspensão do acesso à reforma antecipada. Atropelando o Regimento do Conselho de Ministros e contando com o alto patrocínio do Presidente da República, a medida foi aprovada em CM, não foi divulgada no comunicado que se lhe seguiu (como consta do Regimento) e durante cerca de uma semana foi propositadamente escondida dos portugueses.
Quando finalmente a "surpresa" foi publicada em Diário da República, tinha a sua entrada em vigor para o dia imediatamente seguinte.
Assim, indo contra os procedimentos definidos, apanharam-se desprevenidos tudo e todos, em particular aqueles que estavam a planear apresentar o pedido de reforma antecipada a que tinham direito.

Ontem, domingo, a lamentável brincadeira repetiu-se, ainda que em moldes distintos. O irrevogável Portas e a Miss Swaps ter-se-ão, alegadamente, encontrado. Num formato totalmente inovador para um Conselho de Ministros (composto apenas por 2 ministros e sem que ninguém soubesse da sua realização) e mais uma vez com o alto patrocínio do Presidente da República, trataram de aprovar e promulgar num instantinho um diploma com o regime aplicável aos bridge banks, de forma a tornar possível a solução que foi anunciada ao final do dia por Carlos Costa.
E, esta manhã, voilá: sem que ninguém tivesse falado no assunto (designadamente, o Governo ou o PR) surge a publicação, em Diário da República, do Decreto-Lei n.º 114-B/2014, de 4 de agosto, elaborado e promulgado num Conselho de Ministros alegadamente realizado na véspera e com entrada em vigor no dia seguinte.

Em bom rigor, a verdade é que isto já não surpreende. Um Governo incapaz de elaborar um Orçamento de Estado dentro dos parâmetros da lei, que desafia e pressiona publicamente o Tribunal Constitucional e que não tem qualquer respeito pelos mais elementares preceitos democráticos, surpreenderia bastante se agora se mostrasse minimamente preocupado com este tipo de questões.

 

Adenda: ao que parece, os ministros nem sequer se encontraram - trocaram uns emails. E, de acordo com Poiares Maduro, a prática não é inédita. Um Governo muito inovador, este.

 

Imagem: Mário Cruz / Lusa (arquivo)

 

04
Ago14

Carlos Costa, um supervisor aos papéis

Nuno Pires

 

A criação de um bridge bank para fazer face a dificuldades financeiras graves de uma entidade bancária não é uma inovação mundial, pelo que o teor da comunicação de ontem de Carlos Costa sobre o BES não pode ser classificado como algo inédito ou, até, inesperado.

 

Houve, no entanto, uma informação relevante, já na parte final da leitura de Carlos Costa, que a meu ver merecia melhor explicação por parte do Governador do Banco de Portugal: a afirmação de que desde setembro de 2013 que estavam identificados problemas graves, referindo mesmo, se a memória não me falha, a existência de fraudes entre o BES e o GES.

 

A ser verdade, como é que foi possível, durante quase um ano (mas com maior frequência nas últimas semanas), termos assistido às diversas declarações a assegurar que tudo estava bem com esta entidade bancária, quase dando a impressão de que os interlocutores não se tratavam de membros do regulador ou do Governo, mas sim de elementos da própria administração do banco?

 

Ainda há poucas semanas, a Ministra das Finanças garantia, no Parlamento, que "não há nenhuma razão para pensarmos que haverá intervenção do Estado e não é, de todo, adequado especular sobre esse tema [...] Não estamos a preparar nada, nem temos qualquer indicação que isso possa ser necessário".
O alegado Primeiro-Ministro (cuja postura é adequadamente retratada aqui pelo Sérgio) fez também questão de anunciar recentemente ao país que "não há nenhuma razão que aponte para que haja uma necessidade de intervenção do Estado num banco que tem capitais próprios sólidos, que apresenta uma margem confortável para fazer face a todas as contingências, mesmo que elas se revelem absolutamente adversas, o que não acontecerá com certeza". Sim, leram bem: "com certeza".
Também Aguiar-Branco e até Marcelo garantiam que tudo estava bem, tudo estava resolvido, e nada havia a temer relativamente ao BES.

 

No Banco de Portugal, o supervisor prestava-se a idênticas figuras. Ainda há poucos dias, Carlos Costa afirmava, de forma determinada e confiante, que "este banco possui mecanismos adequados para fazer face a um evento extremo, o que permitirá dar cumprimento aos níveis de solvabilidade exigidos, sem pôr em causa a continuidade da sua atividade e o seu papel de agente financiador da economia".
"O banco cumpre os rácios de solvência", garantiu o governador, 10 meses depois de, segundo o próprio, se ter detetado uma grave fraude.

 

Alguém mentiu grosseiramente.

 

E a mentira adensa-se quando verificamos que o Banco de Portugal, com o conhecimento prévio da existência de problemas graves no BES, autorizou a realização de uma operação de aumento de capital, no passado mês de junho, a 65 cêntimos por ação. Ações essas que hoje têm o valor de... precisamente: zero.

 

A supervisão bancária, em Portugal como em qualquer outro país, não é uma entidade policial, que tenha assento em todas as entidades bancárias e que presencie todos os atos de gestão praticados. Não deve, por isso, ser sumariamente responsabilizada por decisões que sejam ocultadas do regulador, por muito tentador (e popularucho) que tal possa ser.

No entanto, estamos perante uma situação, a meu ver, inédita - a verdadeira inovação mundial: o regulador afirma ter tido conhecimento de situações de fraude, mas durante praticamente um ano nada fez, negou (conjuntamente com o Governo) a existência de quaisquer problemas, garantiu sempre estar tudo bem e, pelo meio, até autorizou uma operação de reforço de capital, cujo sucesso fez questão de publicitar.

 

Restar-nos-ia Nuno Melo, outrora audaz justiceiro na identificação de falhas relacionadas com a supervisão bancária e na persecução daqueles que ele considerava serem os responsáveis, não tivesse este cidadão desaparecido subitamente.

 

Nota final: estando fora de casa, em férias e apenas com acesso a 3 dos 4 canais generalistas nacionais, testemunhei a condição a que são votados os que não podem (ou não querem) ter televisão paga. Por muito entusiasmante que possa ser passar um serão a ver jovens a cantar, vedetas a dançar ou casais a fazer umas provas quaisquer, talvez a gravidade desta situação merecesse algum tipo de destaque informativo. A rádio, no caso a TSF, desempenhou o serviço público que os canais generalistas (especialmente o do Estado) se abstiveram de prestar.


Imagem: Tiago Petinga/Lusa

 

04
Ago14

To BES or not to BES

CRG
O dia 3 de Agosto de 2014 foi histórico. À eterna questão shakesperiana "ser ou não ser?" Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, respondeu: ser novo.

O mau ser que sofra pedradas e flechas do destino feroz, que suporte o açoite e os insultos do mundo, que aguente os seus fardos. O novo ser não pegará em armas contra o mar de angústias, não herdará males nem terá outros: será virtuoso.

O bardo inglês sabia, porém, que na dramaturgia - tal como na vida - a interrogação é tragédia, mas a sua resposta é farsa.
04
Ago14

Eis o cão

Sérgio Lavos

E assim se consumou a fornicação. Em directo para o país, um governador de um banco (ainda que de Portugal) anunciou ao povo a solução milagrosa. O acontecimento é extraordinário por várias razões. 

Primeiro, a mentira: que não é uma nacionalização, que nenhum dinheiro público irá ser gasto no BES. Claro que os 4 500 milhões (para começar) são um empréstimo da troika pelo qual estamos a pagar juros e claro que esse dinheiro, doravante emprestado ao fundo de resolução, nunca irá ser devolvido. E porquê? Quem não tiver memória curta e não papar a converseta dos comentadólogos televisivos lembra-se do exemplo do BPN, com um buraco que começou por ser de 800 milhões e já vai nos 6 000 milhões de euros. 
Segundo, a sensação de que a bullshit atingiu níveis nunca antes vistos. Depois de várias semanas em que vários agentes (políticos, o PM, o PR, o governador) nos garantiram que o BES era um banco sólido, anuncia-se a falência e o nascimento de uma nova instituição financeira e todos os comentadores aplaudem, como se não estivesse a acontecer o maior escândalo financeiro da História recente. Tudo passa por normal. A newspeak faz o resto: não há "nacionalização", mas sim "resolução", não há falência de um banco, mas um simples nascimento, como se o antigo BES nunca tivesse existido. A absoluta anormalidade de uma falência monstruosa passada para o público sob uma capa de normalidade inevitável. É tanta a aparência de normalidade que até a excitação dos comentadores de economia nos canais de notícias serve o propósito propagandístico: com sorrisos rasgados elogiam o discernimento da solução encontrada, como se esta pudesse apenas trazer um radioso futuro ao país.

Terceiro, o mais incrível de tudo: parece que deixámos de ter primeiro-ministro e que o líder da gloriosa pátria passou a ser Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal. Passos Coelho, a banhos no Algarve (com metade da população), lava as mãos como Pilatos e não dá a cara pela solução, escondendo-se na casa alugada de Manta Rota como o cão cobarde que é. Quando estão em causa a falência e a capitalização com dinheiros públicos do maior banco privado português, Passos mostra mais uma faceta da sua absoluta mediocridade, e por puro calculismo político não assume a tomada de decisão, como se fosse Carlos Costa o responsável pelo destino a dar aos 4 500 milhões emprestados pela troika. Não há memória de tal demonstração de cobardia política, de tanta cobardia pessoal. A imagem de Passos Coelho em trajes menores passeando pelo areal de Manta Rota enquanto fala para as câmaras sobre a falência do BES com a leviandade de um inimputável ficará como corolário de uma governação marcada por uma trágica sucessão de actos e acontecimentos indignos. E sim, estamos todos de parabéns.  

15
Jul14

Ricardo Salgado já foi preso?

Sérgio Lavos

Ando há uns dias a fazer esta pergunta no Twitter e, até agora, nada. Nada, no sentido em que ninguém me tem a dizer aquilo que quero ler: "sim, Ricardo Salgado já foi preso". E nada, porque sim, Ricardo Salgado ainda não foi preso. Nem se espera que o seja. Aliás, se há coisa que se tornou normal no país é a impunidade de que gozam os grandes crimes de colarinho branco. Até há relativamente pouco tempo, havia quem ainda se incomodasse com este tipo de crimes, e havia suspeitos, indiciados e presos. Mas como a experiência tentada com o gangue do BPN redundou em nada (nada, quer dizer, nada mesmo: Dias Loureiro, Oliveira e Costa, até o suspeito homicida Duarte Lima, todos continuam por aí, gozando os frutos dos nossos impostos, os que foram enterrados no buraco laranja), a polícia e os magistrados parecem ter desistido de investigar o que quer que seja.

Parece-me sensato. Investigar possíveis crimes da família Espírito Santo é inútil. Inútil e um gasto de dinheiro que o país, em tempo de crise, bem pode dispensar. Há muito por investigar, muito por julgar, tanto ladrão de supermercado ou pequeno empresário fugindo aos impostos à solta, à mão de semear. Investigar fraudes bancárias, off-shores, crimes que lesam o país em milhares de milhão de euros: uma chatice, redundante, estéril e vazia. 

Claro que há quem recorde o exemplo de outros países. Há quem se atreva a lembrar os cento e cinquenta anos de prisão a que foi condenado Bernard Madoff ou os outros banqueiros e especuladores norte-americanos presos, julgados e condenados. Minudências. Pormenores. Toda a gente sabe que os EUA são uma tenebrosa ditadura que persegue os empreendedores e castiga a livre iniciativa. Um país que queira realmente progredir, que queira premiar a inovação e a criatividade empresarial, não deve incomodar quem cria riqueza e empregos.

Ricardo Salgado, o homem que em tempos disse que os desempregados preferem receber subsídios a trabalhar, tem razão de muitas maneiras, todas novas e absolutamente brilhantes. E ainda bem que o país desistiu de o perseguir, e que o grande Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, (ao contrário do malandro do Constâncio) está a fazer tudo para que a família continue imune à infâmia que por aí é publicada nos jornais (como alguém já disse, não há qualquer problema no BES, é tudo uma questão de comunicação). 

No que me diz respeito, não me importo de pagar ainda mais impostos se me garantirem que grandes homens como Oliveira e Costa, Dias Loureiro, João Rendeiro, Jardim Gonçalves, não voltarão a ser incomodados. Com Salgado, esta nova via de progresso parece estar a ser seguida. Deve ser a isto que se refere o nosso primeiro-ministro quando fala do novo país que está a nascer. 

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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