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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

30
Dez13

Tenham lá calma, sim?

David Crisóstomo

O representante da República na Região Autónoma dos Açores, Pedro Catarino, decidiu requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade da proposta de Orçamento Regional do arquipélago para 2014 devido a dúvidas sobre a questão da remuneração complementar regional que é atribuída aos funcionários da Administração Regional e Administração Local açorianas cujas remunerações base sejam inferiores 3050 euros. O representante da República (nomeado por Cavaco Silva e cujas as funções legislativas a nível regional são equivalentes às do Presidente da República a nível nacional) argumenta ter fundadas dúvidas sobre a constitucionalidade do diploma (das quais partilho). Mas, esquecendo a argumentação jurídica, o que me espantou aqui foi a reacção desproporcionada de quase todos os partidos (não li nada do CDS-PP) com assento na Assembleia Legislativa Regional. Concorde-se ou não com as razões do Representante da República, este limitou-se a cumprir o seu dever constitucional e a enviar um diploma para o Tribunal Constitucional. Nada mais. Todavia, parece que tal acto demonstrou "uma visão profundamente centralista das leis e das normas, que não permite que a autonomia viva e respire a sua razão de ser" (BE), que pode "colocar em causa a própria génese da autonomia" (PCP) e podendo assim observar-se que, com esta "decisão inqualificável", o "senhor representante da República e os poderes centrais do Estado têm uma visão colonialista [?!] sobre o exercício da autonomia açoriana" (PPM). Ainda por cima, parece que por parte do Tribunal Constitucional "há precedentes de uma visão centralista" (PSD). Mas ainda mais surreal foi a reacção do próprio presidente do governo regional açoriano, que argumenta de uma forma verdadeiramente lamentável. Reparem:

 

"Registe-se que, ao contrário do que acontece na República, em que um Orçamento de Estado que sacrifica ainda mais as famílias passa sem qualquer reparo e sem qualquer dúvida, nos Açores, o nosso Orçamento que quer ajudar as famílias Açorianas, é enviado pelo Representante da República para a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional;" - dispensava-se este populismo. Se com o argumento de que "quer ajudar as famílias", o senhor primeiro-ministro incluir o confisco de todas as propriedades e rendimentos detidos por cidadãos estrangeiros em Portugal no próximo Orçamento de Estado Rectificativo, também não se pode enviar tal diploma para o Tribunal Constitucional, é?

"Esta é a primeira vez que um Orçamento da Região é enviado para fiscalização preventiva da constitucionalidade. Trata-se de um ato de uma gravidade política extrema que, convém recordar, nunca foi usado relativamente a um Orçamento de Estado. A República não pode ter filhos e enteados! E com este ato, a República, pela mão do seu Representante nos Açores, é madrasta para os Açorianos porque faz aqui, aquilo que conscientemente não quer fazer no Continente." - metáforas familiares à parte, que raio de argumentação é o "nunca foi usado"? E daí? E quem me dera a mim que o Orçamento de Estado também já estivesse no Tribunal Constitucional. O raciocínio do senhor presidente do governo regional é qual? "Se o outro também pode entrar em vigor sendo ilegal, o meu também pode"?

"Não se pode aceitar como bom este entendimento do princípio da igualdade que se traduz no nivelamento por baixo. É esta visão política do que deve ser o nosso percurso como Povo que também está em causa neste pedido de fiscalização do Senhor Representante da República. E tão mais significativo se torna este entendimento quanto é um facto não se conhecer um ato, uma declaração, um gesto do mesmo Senhor Representante da República relativamente ao Orçamento de Estado e à Lei de Finanças das Regiões Autónomas versão 2013, quando se aumentam, para além daqueles que são já os aumentos dos impostos a nível nacional, especificamente os impostos que incidem sobre os Açorianos. É caso para perguntar onde estava o princípio da igualdade nessa altura?! É caso para perguntar onde estava o Senhor Representante da República nessa altura?!" - Já aqui abordei o (injusto) aumento de impostos que os Açores vão ser alvo em 2014, mas não percebo a relação que Vasco Cordeiro quer fazer entre um diploma e outro. Tem dúvidas sobre a constitucionalidade da Lei das Finanças Regionais? É que o que está aqui em causa é isso mesmo, uma questão jurídica. O Representante da República não está a vetar a proposta de Orçamento, nem a discordar das opções políticas nele contidas - está a requer a fiscalização da sua constitucionalidade. Quando tem fundadas dúvidas, é o seu dever. 

 

Não atingindo os níveis da Madeira, a gritaria contra o "centralismo de Lisboa" é todavia uma tradição politica açoriana. É fácil e cai bem junto da população atacar um suposto controlo asfixiante por parte do Continente, o papão que impede os Açores de exercerem a sua autonomia. Alimentar populismos é sempre fácil.

O Representante da República, nomeado pelo presidente em que os açorianos votaram, está de facto a garantir que os Açores não irão reger o próximo ano tendo por base um documento ilegal. Se o Tribunal Constitucional lhe der razão, a culpa não será sua nem do tribunal. Será dos deputados da Assembleia Legislativa Regional que aprovaram um orçamento que viola a lei fundamental do país. A mesma que garante a autonomia açoriana. Com esta decisão, o Representante da República está a zelar para que a Constituição não seja violada no arquipélago. Quem me dera a mim que houvesse quem zelasse para que a mesma não fosse violada no todo nacional.

 

24
Jul13

Tributai-os

David Crisóstomo

Era uma vez uma nova versão da Lei das Finanças Regionais. Uma nova e pequena e grande e bela proposta de Lei das Finanças Regionais, nascida por obra da graça dos técnicos governamentais (ainda nos tempos áureos do Dr. Gaspar) que teve a bênção dos deputados da nação na generalidade e na especialidade. Tudo nos conformes para esta fresquinha lei das finanças das regiões autónomas da pátria. A dita futura lei é composta por uma variedade de artigos e especificações, uns mais prendados e outros, enfim, mais estultos. Mas a alteração mais esdrúxula será talvez aquela que decorre da nova redacção do artigo 59º, onde notamos que, surpresa surpresa, o governo decidiu aumentar os impostos. Outra vez. Desta vez somente nos calhaus lá perdidos a norte das ilhas Selvagens. A proposta de lei do governo reduz o diferencial fiscal que é aplicado aos impostos das regiões autónomas de 30 para 20% dos impostos do continente. Ou seja, reduz a margem de redução dos impostos que os governos das regiões autónomas possuíam, aumentando assim a carga fiscal aos madeirenses e açorianos. Mas o choque fiscal será superior nas terras das vacas sorridentes no que nos domínios de Alberto João, dado que este já aumentou uma grande parte dos impostos do arquipélago no âmbito do desastre financeiro criado por sua excelência lá na terra. Nos Açores, todavia, o diferencial de 30% é plenamente aplicado. E a partir de 1 de Janeiro de 2014, esse diferencial reduzir-se-á, provocando uma imediata subida generalizada dos impostos na região. Dado que as receitas fiscais recolhidas nas nove ilhas ficam na região (artigo 19º e 90º do horror do Cavaco), pergunta-se: onde está a racionalidade económica em aumentar impostos numa região em recessão, onde o governo obteve no ano passado um défice 0,4% e uma dívida regional de 19%? Sim, leu bem, o défice da Região Autónoma dos Açores em 2012 foi de 0,4% (uma redução de 50% face a 2011) e a divida da administração regional foi de 19% (0,4% de toda a divida pública nacional). Pois bem, mesmo tendo isto em conta, e uma oposição que além de incluir o próprio Governo Regional dos Açores e todos os partidos da esquerda parlamentar também abarca o próprio PSD/Açores, que anunciou que os seus três deputados iriam votar contra esta proposta de lei (tal como já o tinham feito aquando da votação na generalidade, juntamente com os deputados madeirenses do PSD e do CDS), o aumento avançará. Sendo assim, porque insiste o nosso renovado governo neste fundamentalismo fiscal? Pois bem, a justificação oficial é uma clássica: a troika exige. Ali, nas páginas 4 e 5 do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Politica Económica, onde (no caso do IRS) se pode ler "propor alteração à Lei das Finanças Regionais para limitar a redução das taxas em sede de IRS nas regiões autónomas a um máximo de 20% quando comparadas com as taxas aplicáveis no continente". Ponto final, sem discussão. Ora bem, se é verdade que a versão original tinha esta particularidade inexplicável, é também verdade que desde a sua entrada em vigor os memorandos já foram objecto de sete (!) revisões. Sete oportunidades de alterar esta enormidade. Sete alturas em que um governo lógico e não-submisso podia ter alterado esta exigência sem sentido. Sete momentos em que os nossos governantes podiam ter usado a alegada 'autonomia para propor' mudanças. Sete situações desperdiçadas pela personificação da incompetência que é este Governo Constitucional remendado.

Conservada a exigência troikana, o governo de apenas 12% dos portugueses decidiu ir avante com uma alteração fiscal injusta, irracional e limitadora da autonomia das regiões autónomas. Porque tem que ser. Porque sim.

20
Mai13

Vão-me desculpar, mas ...

David Crisóstomo

... Carlos César tem toda a razão. Custa a crer que foi este mesmo Cavaco Silva que outrora parou o país devido ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores.

Um Presidente da República não pode dar-se ao luxo de desconhecer os feriados regionais do seu país (são só 2, porra). Não pode dar-se ao luxo de ignorar as festividades oficiais realizadas por um outro órgão de soberania da nação a que preside. E estou a deduzir que foi apenas isso: ignorância. Que foi somente uma manifesta incompetência protocolar da Casa Civil da Presidência da República e mais um acto de incultura a que o senhor presidente nos tem habituado. Estou a deduzir que não estamos perante um acto de desprezo por uma região, pelo Governo Regional dos Açores, pela sua importância e relevância no todo nacional. Estou a deduzir que ao convocar o Conselho de Estado para a data do Dia da Autonomia dos Açores, estando o Presidente do Governo Regional nas cerimónias oficiais na Assembleia Legislativa Regional, que o mais alto magistrado da nação não escolheu desdenhar tal data, tal cargo e tal órgão legislativo. Que não se marimbou no artigo 142º da Constituição da República Portuguesa, que explicita que os presidentes dos governos regionais dos Açores e da Madeira são membros permanentes do Conselho de Estado. Estou a deduzir que isto foi simplesmente uma falha, uma imperícia, um deslize, um momento em que a Nossa Senhora de Fátima estaria distraída e, olha, passou. Um momento menos feliz, só isso. Pois, caso contrário, poderíamos estar perante um 'precedente muito grave' que poderia 'abalar o equilíbrio de poderes e afectar o normal funcionamento das instituições da República'. Em que estaria em causa 'o princípio de confiança e lealdade política e institucional que deve reger as relações entre os órgãos de soberania'. Seria preocupante, no mínimo. Espero honestamente não estar enganado.

 

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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