Quem com ferros mata, com ferros morre
Num país em que os códigos deontológicos fossem levados à letra, o Dr. Joaquim Grave (veterinário e ganadeiro), depois das pérolas que bolsou no "Prós e Contras" da passada 2ª feira, seria - no mínimo - alvo de um inquérito. Entre variadíssimas pérolas, há uma preocupante, na medida em que se revestiu de cientificidade por parte de um veterinário: "O animal tem dor mas não tem sofrimento".
Perante isto, resta o trabalho ingrato de combater o obscurantismo disfarçado de ciência. A tarefa é hercúlea, mas bom, sabemos que os avanços civilizacionais são penosos e demoram tempo. Exigem, também, assertividade, pedagogia e não destemperos exacerbados, o que francamente não é a regra - de ambos os lados - numa discussão que pode ser apaixonada sem se pautar pelo insulto.
Aqui se pode constatar a falácia do que foi afirmado, a propósito da dor/sofrimento:
"A dor e o sofrimento são características biológicas em animais que evoluíram ao longo de centenas de milhões de anos e estão presentes em praticamente todo o reino animal através do processo de seleção natural. Isto porque a dor e o sofrimento têm um papel fundamental na sobrevivência dos animais ao informá-los sobre o que devem evitar. A dor, em particular, avisa o animal que tem de evitar estímulos específicos (ex. fogo). Para este efeito, o animal tem recetores de dor e uma memória que o ajudam a recordar o que causou a dor. O sofrimento tem a mesma função, mas em vez de informar o animal sobre um estímulo a evitar, informa sobre uma situação a evitar. A ciência comprova que todos os mamíferos possuem capacidade de sentir dor e sofrimento.[1]"
"As arenas são de facto “arenas” (ou “círculos”) para que o touro não possa encontrar um canto que lhe permita proteger-se dos ataques e são circulares para que, depois de algumas voltas, o animal não consiga identificar e voltar ao local por onde entrou. Tendo em conta este design, sem pontos de fuga, a resposta mais comum do touro não é tentar escapar, mas sim tentar remover o atacante com os seus cornos. Este é um comportamento que pode ser visto em muitos herbívoros quando estão a ser atacados por predadores naturais ou pessoas.12 Contudo, por vezes assiste-se a tentativas de fuga quando o touro tenta trepar as traves da praça.
As investidas do touro não devem ser interpretadas como um ataque, mas como uma forma de eliminar os atacantes (a defesa) para evitar uma situação adversa. Consequentemente, o ataque de touros numa praça é por si só um claro indicador comportamental de sofrimento.[21]
Mais aqui.
[1] Marc Bekoff. The emotional Lives of animals. Califórnia, USA: New world library. 2007
[12] Temple Grandin. Genetics and behaviour of domestic animals. Temple Gradin. 1997
[21] Jordi Casamitjana. El sufrimiento de los toros en espectáculos taurinos; la perspectiva de um etólogo. CAS International. 2008