Preparar o futuro
Agora que falta pouco menos de um ano para as próximas eleições legislativas, que muito provavelmente apearão PPC e Portas dos lugares governativos para que estes já demonstraram não ter responsabilidade ou sentido de palavra para ocupar, importa começar a preparar o phase out do terrorismo e retrocesso social em que vivemos nestes últimos 3 (e que na altura serão 4) anos.
Muito embora o discurso público seja actualmente dominado pelas questões que afectam os funcionários públicos e que, obviamente, deverão merecer a maior atenção, para evitar que o estigma que os atingiu se mantenha de futuro, a verdade é que se impõe uma reflexão sobre o papel que reservamos na nossa sociedade aos mais desfavorecidos e, entre estes, aos mais velhos, bem como sobre os apoios que lhes devemos proporcionar.
Apesar de as discussões sobre estas matérias frequentemente ignorarem esta perspectiva, importa sobretudo reter que as actuais gerações mais velhas viveram até 1974 num país que lhes negou oportunidades, educação e condições de vida, o que teve e tem um impacto importantíssimo nas suas (maiores) necessidades em termos de cuidados de saúde, condições de habitação e até acompanhamento psicológico, em virtude, por exemplo, dos maus tratos consentidos por uma sociedade que apenas cuidava de querer saber o que se passava atrás das portas se isso ameaçasse o regime.
Como pontapé de saída para esta discussão, parece-me especialmente importante i) ponderar se o aumento da idade da reforma terá os efeitos pretendidos (incluindo porque, como externalidade, poderá implicar a manutenção de um nível demasiado elevado de desemprego jovem), ii) acabar de vez com o lero-lero do CDS sobre as reformas mínimas e assegurar uma efectiva justiça na redistribuição de rendimentos através do sistema de reformas e pensões e iii) de uma forma geral, procurar impedir a entrada em situações de carência de pessoas que, em condições pré-2011, teriam capacidade para se valer autonomamente, evitando dessa forma também o acréscimo dos custos envolvidos na protecção de tais pessoas.
Compreendendo que este último ponto possa parecer demasiado vago, deixo-vos um exemplo:
A Lei das Rendas (Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto) prevê que, no âmbito do mecanismo de negociação das rendas, os inquilinos possam invocar duas condições distintas para impedir o aumento das rendas e/ou a aplicação do Novo Regime do Arrendamento Urbano, a saber:
a) o auferimento de baixos rendimentos pelo agregado familiar; e/ou
b) o titular do contrato ter idade igual ou superior a 65 anos.
Caso o fundamento invocado para condicionar a alteração do valor da renda e travar aplicação do Novo Regime do Arrendamento Urbano (cuja alteração mais importante face ao regime pré-1990 é a fixação de prazos de vigência aos contratos de arrendamento) sejam rendimentos diminutos , esta Lei tem um mecanismo "retardador" que mantém o contrato em causa sujeito ao regime de arrendamento pré-1990 por um período adicional de 5 anos, contado desde a data em que o senhorio tenha promovido a tentativa de alteração do valor da renda (se o fundamento for a idade superior a 65 anos, o contrato em apreço fica automaticamente excluído da possibilidade de sujeição ao Novo Regime do Arrendamento Urbano, agora ou posteriormente).
Contudo, após aquele período de 5 anos, o senhorio terá o direito de promover automaticamente a transição do contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, não podendo o inquilino invocar quaisquer causas para a impedir aquela transição, sendo que, caso não exista acordo entre as partes sobre a duração do contrato, o contrato de arrendamento ficará automaticamente sujeito a um prazo de dois anos (artigo 35/6 da Lei das Rendas).
Supondo que grande parte dos beneficiários destes contratos mais antigos são cidadãos que actualmente terão idades superiores a 50/55 anos (o regime do arrendamento foi inicialmente alterado em 1990, pelo que não é crível que o número de arrendatários que teriam menos de 25 anos no ano daquela alteração seja particularmente elevado), não é difícil de perceber que alguém com aquela idade e que tenha um perfil salarial de baixos rendimentos dificilmente conseguirá alterar a sua situação no prazo de 7 anos (5 de congelamento + 2 do novo contrato), até que o contrato de arrendamento possa ser denunciado pelo senhorio.
Por outro lado, existe também uma elevada probabilidade de que os senhorios cujos imóveis gerem baixos retorno pretendam (com toda a legitimidade, note-se) terminar estes contratos para celebrar novos com outras pessoas que disponham de maior capacidade económica e que possam suportar rendas mais elevadas.
Portanto, à luz da actual Lei, estão criadas as condições para que, a partir de Novembro de 2019 (que marca a conclusão de um prazo de 7 anos sobre a data de entrada em vigor da Lei das Rendas), indivíduos com 71 anos ou menos (isto é, todos os arrendatários que tivessem menos de 65 anos no momento da entrada em vigor desta Lei) e com baixos rendimentos possam ser livremente despejados pelos seus actuais senhorios, não sendo expectável que os mesmos disponham de rendimentos que permitam suportar uma renda cobrada de acordo com os actuais padrões de mercado.
Visto por este prisma, não está nada mal pensada a ideia das IPSS de se iniciarem nos negócios funerários. Não está, não senhor.