Para memória futura
O meu texto no Económico da semana passada:
TPC
E, subitamente, o político português conhecido por dizer de si próprio – num exercício que seria de imodéstia se a afirmação fosse a marca de um homem inteligente – que “nunca se engana e que raramente tem dúvidas” decidiu ficar cheio das ditas dúvidas.
Ou o Presidente lê muito devagar ou espera que os outros leiam e lhe passem as suas perguntas para ele as poder tomar como suas. António Costa foi a Belém ser recebido por um Presidente da República e deu com um mestre-escola maldisposto. Este aluno não é dos que é suposto ter sucesso e há que o pôr no seu lugar, parece ser a lógica.
Vai dai, trabalhos para casa: uma coligação de partidos à esquerda tem de cumprir requisitos no seu programa de governo a serem avaliados pelo PR.
Deixemos de lado a gritante dualidade de critérios de um Presidente que exige nada a coligações de direita e tudo o que lhe apetece a coligações de esquerda. Há aqui um problema anterior: a legitimidade democrática do PR é indiscutível mas para exercer os poderes que a Constituição lhe confere, não os que se atribui quando lhe convém. E avaliar o Programa de Governo é competência exclusiva da Assembleia da República, cuja legitimidade democrática não é em nada menor que a do PR.
As condições, espremidas, são mais uma birra quezilenta que verdadeiras questões de fundo. Em parte porque não estão em causa, em parte porque são por natureza garantias vãs e, por fim, porque não podem ser dadas por ninguém, nem Passos, nem Costa. Vejamos rapidamente:
A aprovação de moções de confiança está ínsita na existência de um acordo político à existência do Governo: se for dada e não cumprida, o Governo cairia, com ou sem condição imposta pelo PR.
A aprovação dos Orçamentos do Estado depende de condições políticas. A coligação de direita esteve para cair por causa da aprovação do documento orientador do Orçamento, o Programa de Estabilidade, e não houve garantias que lhe valessem.
O cumprimento das regras de disciplina orçamental aplicadas da Zona Euro depende do ponto anterior e está mais do que assumido esse compromisso por parte do PS, com o assentimento quer de PCP quer de BE.
O respeito pelos compromissos internacionais de Portugal no âmbito das organizações de defesa coletiva é uma falsa questão. Nunca, nos acordos assinados, se coloca isso em questão. Portugal já teve Governos com Ministros do PCP e não foi por isso que saiu da NATO.
O papel do Conselho Permanente de Concertação Social resulta da lei e se o que queremos é garantir que os patrões continuam a ser ouvidos, eu gostava era de saber quem disse que não seriam.
Por fim, se Passos tivesse garantido a estabilidade do sistema financeiro, "dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa" o BES não tinha acontecido? Isso é tarefa do Banco de Portugal, primeiro, e nenhum Primeiro-Ministro do mundo consegue dar essa garantia. Consegue, que é o que Cavaco deve querer, garantir que os banqueiros podem continuar a viver protegidos pelo contribuinte.
Enfim, perdoe-se a um homem desesperado que demora quase quinze dias para conjurar meia dúzia de perguntas de algibeira. A esquerda parlamentar ou denuncia isto, leva a Belém uma declaração política que force a indigitação e começa a aplicar o seu Programa, ou recusa liminarmente ser gozada por Belém. Sempre queria ver o que faria Cavaco com o menino (leia-se, o País) no colo. Espero que a opção seja a primeira, porque os custos da segunda são impensáveis.