Para as viagens às ilhas há uma solução simples: o artigo 17º.
Indo diretamente ao ponto: leia-se aqui o n.º 1 do artigo 17º da Resolução da Assembleia da República n.º 57/2004, com as seis alterações de que foi alvo e que regula os Princípios Gerais de Atribuição de Despesas de Transporte e Alojamento e de Ajudas de Custo aos Deputados:
1 - A aquisição de bilhetes de avião ou referentes a outros meios de transporte utilizados nas deslocações oficiais é obrigatoriamente feita pelos serviços competentes junto de agência ou agências de viagens contratualizadas na sequência de procedimento concursal realizado para a prestação simultânea de serviços de viagens e alojamento.
Bem sei que ali está "deslocações oficiais" e a situação notada pelo jornal Expresso no sábado passado é referente a viagens de deputados aos círculos eleitorais dos Açores e Madeira (aparentemente em viagens entre o parlamento e as suas residências, ainda que a mesma questão se possa colocar em viagens para o exercício de trabalho político), mas o precedente para a resolução da temática colocada na ordem do dia é dado pela própria resolução no n.º 7 do seu artigo 1º:
Artigo 1.º
Deslocação de deputados durante o período de funcionamento do plenário
1 - A importância global para despesas de transporte dos deputados residentes no seu círculo eleitoral é igual ao produto da multiplicação da distância, em quilómetros, correspondente a uma viagem semanal de ida e volta entre a residência do deputado e a Assembleia da República pelo quantitativo fixado na lei geral para pagamento do quilómetro percorrido em automóvel próprio.
2 - (...)
3 - A importância global para despesas de transporte dos deputados residentes nas Regiões Autónomas corresponde ao preço de uma viagem semanal de ida e volta, em avião, na classe económica, entre o aeroporto da residência e Lisboa, acrescido da importância da deslocação entre o aeroporto e a residência, calculada nos termos do n.º 1.
4 - (...)
5 - Aos deputados eleitos pelo círculo da emigração da Europa, residentes no respetivo círculo eleitoral, é-lhes devida uma viagem semanal de ida e volta, em avião, na classe mais elevada praticada, entre o aeroporto da cidade de residência e Lisboa, acrescida da importância da deslocação entre o aeroporto e a residência, calculada nos termos do n.º 1.
6 - Aos deputados eleitos pelo círculo de emigração fora da Europa, residentes no respetivo círculo eleitoral, são-lhes devidas duas viagens mensais de ida e volta, em avião, na classe mais elevada praticada, entre o aeroporto da cidade de residência e Lisboa, acrescidas da importância da deslocação entre o aeroporto e a residência, calculadas nos termos do n.º 1.
7 - Às deslocações previstas nos n.ºs 5 e 6 aplica-se o artigo 17.º, n.º 1.
Isto é, ao contrário do que acontece nas deslocações para as Regiões Autónomas e apesar de o meio de transporte ser idêntico - o avião - a Assembleia da República assume que a aquisição das deslocações dos deputados eleitos pelos ditos círculos da Emigração deve ser feita pela agência de viagens contratualizada pelo parlamento para esse efeito.
Aliás, nas viagens para trabalho político (e diferindo das condições dadas aos restantes parlamentares, mas à semelhança do que acontece nas viagens oficiais) os deputados eleitos pelos círculos da Europa e Fora da Europa têm que apresentar obrigatoriamente o bilhete ou bilhetes dos transportes utilizados e dos cupões dos cartões de embarque correspondentes (n.º 7 do artigo 4º da Resolução já mencionada).
Pelo que, como afirmo no título deste post, no interesse de uma resolução o mais célere e imediata possível da questão das deslocações dos deputados açorianos e madeirenses, o mais fácil e simples seria simplesmente emendar o n.º 7 do artigo 1º de modo a incluir estes na exceção já referida, passando assim o parlamento a encarregar-se das transações financeiras decorrentes das viagens dos deputados insulares (e, já agora, emende-se também o artigo 5º, de modo a que as viagens para trabalho político dos deputados dos arquipélagos passem a ter as mesmas obrigações que as dos deputados de fora do território nacional). E pronto, acabou-se, caso resolvido, apresente-se o projeto de resolução, agende-se para votação esta sexta e encerramos este assunto ainda esta semana.
Todavia, como ontem bem notou o Pedro Adão e Silva no O Outro Lado na RTP3, parece que nos últimos tempos andamos com uma constante "bomba relógio" no regime de funções de deputados, seja por factos declarados ou omitidos. Este "penso rápido" que aqui sugiro é apenas isso e não previne eventuais problemas futuros nesta matéria - exemplos potenciais: um deputado estudante que tenha 25 anos e se desloque de avião à Horta ou ao Funchal ou de comboio a Viana do Castelo ou a Celorico da Beira e usufrua das tarifas especiais na compra dos seus bilhetes não estará potencialmente na situação hoje analisada para os deputados dos Açores e Madeira?; um parlamentar que acumule milhas na TAP (não permitido nas viagens oficiais) em viagens ao Porto ou usufrua de descontos na CP relacionados com a sua atividade profissional nas viagens a Faro não estará também neste âmbito?; e como sustentar a desigualdade de exigências e procedimentos para os deputados provenientes do território continental, na medida em que para as suas despesas de deslocação recebem somente e automaticamente um subsidio lump-sum?
Ainda sobre este assunto, recomenda-se também a leitura do Memorando emitido pelo Secretário-Geral da Assembleia da República (que, permitam-me a crítica, devia estar acessível no portal do parlamento - foi enviado aos jornalistas e a nota enviada à comunicação social informa que este documento foi "tornado público", mas, acrescento eu, um documento tornado público que não é publicado em lado algum de pouco serve à causa da transparência), que além de descrever o método de pagamento e processamento destas ajudas, relembra que antes da existência destes subsídios à mobilidade insular existiam os descontos automáticos no custo do bilhete de avião feito pelas transportadoras.
Esta minha sugestão não dispensa todavia (bem pelo contrário) uma revisão e atualização integral de todo o regime das ajudas de custo e das condições financeiras que os parlamentares têm para o pleno exercício do seu mandato (e aqui, também é relevante dizê-lo, a Assembleia da República está longe de ser das mais generosas face às suas congéneres a nível europeu).
Claro está, esta constante "descoberta" de métodos e procedimentos do parlamento que são alvo de crítica e exaltação pública desgasta a sua imagem e tem o efeito potencial de minar a confiança dos cidadãos na câmara parlamentar nacional que os representa. Contudo, na lógica do copo meio cheio, prefiro observar pelo prisma que o Pedro Adão e Silva analisou - há mais exigência, mais atenção e maior escrutínio público à ação do parlamento. Que, é bom notar, tem uma estrutura (leia-se, os funcionários do parlamento) que tem sabido responder adequadamente a este maior nível de interesse pela Assembleia da República, sendo atualmente um dos parlamentos nacionais europeus que mais informação e documentação disponibiliza publicamente. Mas que, claro, ainda tem por onde melhorar no domínio da transparência.