o problema Marcelo
«Yeah, but no, but yeah, but no.» [Vicky Pollard]
O recente debate entre Marcelo Rebelo de Sousa e Sampaio da Nóvoa, entre outras virtudes, terá tido o mérito de fazer cair dois mitos: Marcelo é uma espécie de Cavaco versão 2.0 e Marcelo é uma pessoa inteligente.
Marcelo não é um Cavaco que ri nem um Cavaco a cores. Percebe-se que para os adversários políticos essa colagem ao Presidente da República menos querido da democracia seja fundamental no discurso de campanha. E, claro, a relação de proximidade política, ideológica e, menos relevante, pessoal, existe e deve ser sempre tida em conta. Mas Marcelo não é nenhum Cavaco. Isso queria ele. Cavaco é um dos políticos mais habilidosos (na dupla acepção da palavra), mesquinhos e reaccionários da história recente de Portugal. Marcelo, por muito que comungue de posições retrógradas nomeadamente nos costumes, é só um pateta políticamente pouco acima de zero. Para passar de beato intriguista a sacana mesquinho ainda tem que comer muita vichysoise.
Cavaco passou décadas a fingir que não era político. Marcelo tenta agora fingir que não é mau político. Mas é este o grande problema: Marcelo é um político. Mas dos maus.
No debate com Sampaio da Nóvoa, Rebelo de Sousa cometeu um erro de principiante: desvalorizou o adversário. Tentou reduzir-lhe a sua dimensão política com dois argumentos principais:
1. Sampaio da Nóvoa não tem experiência política;
2. Sampaio da Nóvoa não tem participação cívica mediática.
Ora, mais do que saber se Sampaio da Nóvoa é atacável por este flanco ou não, esta é uma estratégia destinada à derrota. Se Marcelo não conseguir provar estes dois pontos, perde o debate. Se Marcelo conseguir provar estes dois pontos, eles tornam-se irrelevantes porque no debate de ideias e na discussão acesa, uma pessoa sem experiência política e sem intervenção mediática conseguiu entalar o auto e heteroproclamado distinto professor de Direito.
Ir a jogo com dois argumentos tão fracos e sem plano B (ainda tentou desesperadamente esbracejar, recorrendo ao populismo mais reles ao pôr em causa os custos da campanha de Sampaio da Nóvoa), independentemente do resultado, revelam a falta de preparação política e de inteligência. Não ter defesa possível para os constantes e óbvios ataques às suas contradições, revelam que Marcelo não esperava um confronto, que não vai para além da conversa simpática e perguntas mais ou menos cómodas de jornalistas. Ironicamente, foi Marcelo que se viu atraiçoado pela sua escassa e insuficiente dimensão política.
O problema não é Marcelo ter tido posições contraditórias ao longo dos anos. O problema nem é sequer Marcelo ser capaz de defender tudo e o seu contrário com a mesma convicção. O problema é Marcelo ser capaz de defender tudo e o seu contrário com a mesma falta de convicção. Arriscamo-nos a ter como Presidente da República o professor Marcelo e o professor olecraM.
É fácil parecermos muito inteligentes se formos os únicos na sala. Marcelo foi construindo uma imagem de comentador perspicaz, abrilhantado por sorrisos e olhares cúmplices com os pivots, em homilia semanal, sem contraditório. Em debate com quem não se limita a sorrir e acenar simpaticamente e discute política sem rodeios, Marcelo perdeu ontem (e já antes tinha perdido com Marisa Matias) e perderá sempre. A mitomania tem um problema muito grande quando é confrontada com a realidade. E o mito Marcelo Rebelo de Sousa é um enorme castelo de areia. Não será fácil, porque o mar não está muito agitado, mas é fundamental que esta campanha presidencial crie uma vaga que o destrua. Se ficar de pé, o próximo Presidente da República é a Vicky Pollard.