O meme de ódio na era da sua reprodutibilidade técnica
We can say retard and pussy without the fear of getting cancelled . . . it's a new dawn.
No famoso ensaio “A Obra de Arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamin demonstra como o fascismo transformou a política em espetáculo para neutralizar as massas recém-formadas: “O fascismo tenta organizar as massas recentemente proletarizadas, sem tocar nas relações de propriedade que estas pretendem eliminar. O fascismo vê a sua salvação no facto de permitir às massas que se exprimam mas, de modo nenhum, que exerçam os seus direitos. As massas têm direito a exigir uma alteração das relações de propriedade; o fascismo pretende dar-lhes expressão, conservando essas relações. Por conseguinte, o fascismo acaba por introduzir uma estetização na vida politica.”
A política-espetáculo não é exclusiva do fascismo, porém este apenas pode existir através dela. Um dos maiores focos da campanha presidencial do Trump foi o combate ao “Woke” (um termo que nunca é definido, mas continuamente invocado como uma ameaça). Trump e os seus aliados apresentam-se como defensores da liberdade de expressão: no seu discurso em Munique, Vice-Presidente Vance acusou as democracias europeias de colocarem em causa essa liberdade em risco. No entanto, assiste-se nos EUA, a uma hostilização e perseguição crescente de quem profere opiniões contrárias aos interesses da atual administração americana. Com efeito, a liberdade de expressão que defendem é seletiva; não é um direito universal, em conflito com outros direitos e sujeito a limites. Consiste numa permissão, concedida a determinados grupos, para dizerem o que quiserem sem consequências. É uma exceção mascarada de direito.
Atualmente, as massas prescindiram de exercer os seus direitos. A lógica do There is no Alternative introduziu na democracia uma estetização da vida politica, em que já não há lugar a disputas ideológicas(sobre distribuição de poder e de riqueza), mas apenas a sua representação simbólica. O fascismo contemporâneo oferece à frustração das massas válvulas de escape alimentadas por violência mas no conforto do ecrã: memes de ódio, vídeos virais de minorias humilhadas, deportações transmitidas como reality shows. A política fascista do entretenimento tem como conteúdo a punição e o medo, uma catarse do ressentimento.
No referido ensaio, Walter Benjamim escreve que o desfecho inevitável do fascismo é a guerra. Neste momento, temos uma guerra comercial, guerra às minorias, guerra à administração pública, guerra ao pensamento crítico. E sempre que a popularidade cair, surgirão novas frentes. A política-espetáculo fascista exige um inimigo e conflito constante.