O debate já Era
O estado da democracia vê-se pela qualidade do debate. A questão da crise da habitação poderia ser um ponto de partida importante para uma discussão fundamental sobre o futuro do país. No entanto, o debate ficou na sua maior parte limitado à questão do arrendamento de casas vazias, que terá na prática pouca ou nenhuma relevância.
Com efeito, a crise da habitação é reflexo de problemas mais abrangentes e profundos: elevados níveis de desigualdade; baixos salários; uma economia demasiado dependente do turismo (as cidades ficam ocupadas por alojamentos locais); centralismo e desertificação do interior; precariedade laboral, sobretudo nos mais jovens; justiça lenta; efeitos da livre circulação de capitais numa economia como a portuguesa.
Deste modo, não é possível discutir a habitação sem efetuar uma análise das políticas que nos levaram a este ponto, nomeadamente os efeitos da austeridade e da falta de investimento público.
A importância desta discussão não significa porém que se deva ignorar a apresentação de medidas concretas ou que a crise de habitação não tenha as suas razões especificas. Com efeito, durante anos o Estado teve uma visão meramente assistencialista para a resolução de um bem escasso e fundamental como a habitação: dando primazia ao mercado e intervindo apenas na habitação social (que é uma visão que certa direita tem para outros problemas sociais), sendo que para responder às suas próprias lacunas onerou certos proprietários (ainda não foi levantada a proibição da entrega judicial de casa morada de família).
Acresce que nesta discussão também é importante que exista a consciência que a economia (contratos de arrendamento, hipotecas, direito de propriedade) é uma construção política assente numa ideia de justiça.
Por outro lado, os efeitos desta crise transcendem a simples necessidade de habitação. A existência de espaços comuns (escolas, parques, bibliotecas, associações recreativas) que reúnam pessoas de diferentes origens, etnias e classes são essenciais para que se cultive solidariedade e um sentido de comunidade. Por sua vez, sem esta solidariedade e sentido de comunidade não existe uma cidadania forte, colocando em risco a própria democracia. Assim, aceitar que as grandes cidades sejam reservadas apenas aos mais afluentes coloca em causa a própria democracia. Será que não devemos pugnar por opões políticas que fomentem a cidadania, em vez de afirmar candidamente que os mais pobres não podem querer habitar em certas zonas.
Assim, é necessário pensar que Estado e que justiça social queremos a ter. A que tipo de sociedade aspiramos.