O cansaço das coisas previstas
Viver é uma canseira, sabemos. Mas aturar o bando de irrevogáveis que transitoriamente ocupa o palácio de São Bento ainda cansa mais. Brindam-nos com três anos de escolhas que destruíram a economia e quebraram os laços entre gerações, pessoas, classes, persistindo para além de qualquer dignidade pessoal ou honra política, e não páram. Não páram enquanto não levarem por diante o programa de desmantelamento do Estado Social, pedra sobre pedra.
Claro que temos sempre o estado de direito, personificado pelo Tribunal Constitucional. Garante que a lei fundamental é cumprida e substitui o presidente da República que se demitiu da sua função de último garante da Constituição e provedor do regular funcionamento das instituições. E sobretudo permite que, de tantos em tantos meses, as pessoas decentes respirem um pouco e o país aparente ter um ar de normalidade, ainda que provisória.
Mas esta gente porfia. Porfia porque, além de qualquer dignidade, espreita a pura criminalidade. Se o Tribunal Constitucional lhes bloqueia as intenções, eles esperneiam, ameaçam, choramingam, protelam. Não entendem como há ainda alguém no rectângulo que lhes faça frente. Queixam-se pelas televisões, ventriloquam através dos comentadores televisivos e dos jornalistas económicos, preparam pela porta do cavalo mais iniquidade em forma de aumento de impostos. Insistem, recusando fazer o que qualquer político com sentido de Estado e honra, na mesma situação, faria: a demissão. Irão até ao fim, não se importando com a pesada herança que irão deixar: a descrença generalizada dos portugueses nas instituições.
Poderiam aproveitar mais um chumbo para finalmente aplicarem algumas medidas do memorando que nunca saíram do papel: cortar nas rendas da energia; cortar nas PPP's; regular o mercado de telecomunicações; garantir a livre concorrência e o fim dos quase-monopólios neste sector, no da energia e nos combustíveis; acabar com fundações e institutos desnecessários; reduzir cargos de chefia na administração pública; cortar nos consumos na administração central, começando por exemplo pela frota automóvel do próprio Governo; aplicar taxas mais pesadas sobre transações financeiras. Mas não, nunca, jamais. Atacar clientelas, ir às verdadeiras gorduras do Estado e largar o sofrido osso do zé povinho: impossível.
Por isso a repetição das coisas cansa. O mesmo ritual, a mesma falta de novidade, uma vontade de aprofundar o fosso entre ricos e pobres (que alguns confundem com incompetência). Será um dia maravilhoso, inesquecível, quando esta gente partir. Até lá, paciência.