08
Jan15
Je ne suis pas Charlie
Teresa
Desde logo porque já escrevi e apaguei o título deste post umas quantas vezes porque tenho medo, leram bem, medo, que me levem a mal.
Mas gostava, gostava de ser Charlie, ou melhor, gostava de ser destemida, de abrir a boca sempre que acho que o devo fazer e deitar cá para fora tudo o que me apetece dizer sem receio das consequências. Mesmo que as consequências pudessem ser, e quase nunca o são, uma rajada de tiros.
Ontem muitos foram Charlie, foram-no todos aqueles que saíram para as ruas sem medo de uns malucos que por lá andavam à solta carregados de armas, mas nós, os que acenamos com um JeSuisCharlie cá de longe sem receios de maior, continuamos de joelhos porque temos medo de morrer de pé. Ou de ser despedidos. Ou de ser mal vistos pela vizinhança. Ou de desagradar ao chefe, à namorada, aos amigos, ao gerente do banco, aos filhos teenagers, ao editor do jornal, ao político da praça, aos donos disto tudo.
Este não foi um atentado contra a liberdade de expressão, ou contra a humanidade, ou contra a Democracia, este foi um atentado contra a coragem de alguns, contra os que ainda não têm medo. A liberdade de expressão não tomba pelas mãos de uns encapuçados que matam a frio com tiros na nuca e fogem a seguir, a liberdade de expressão não treme assim, os três assassinos, e é só isso que eles são, assassinos, têm o poder de matar mas depende só de nós que passem a ter também o poder de abalar todos os nossos valores. Estes homens têm nomes e rostos e são eles, e só eles, que devem responder pela barbárie de ontem. A liberdade de expressão não foi atingida a tiro mas ao levantarmo-nos em massa contra um inimigo desconhecido estamos sem balas mas com o nosso medo a pôr em causa um outro princípio fundamental, o da justiça. Não procuremos a mão que embala o berço mas a que dispara a arma, que estes homens, estes e só estes, os que dispararam as armas, sejam perseguidos, apanhados, julgados e punidos de acordo com as regras civilizacionais de que todos nós, sem medo, nos recusamos a abrir mão.
Ontem homens foram assassinados porque sem medo exerciam o seu direito de se expressarem e a melhor, e única, forma de lhes fazermos justiça é de acordo com as mesmas regras do estado de direito que lhes permitiam serem livres nas suas convicções apanharmos os assassinos e julgá-los mostrando-lhes que independentemente das suas crenças pessoais ou dos gritos por um divino qualquer, eles não passam de criminosos comuns sentados num tribunal ao lado de outros criminosos comuns porque violaram a lei.
Generalizarmos a discussão com atentados à liberdade é estarmos a fazer a guerra deles, uma guerra santa qualquer onde todos os bons são Charlie e onde todos os outros são Saïd Kouachi, Chérif Kouachi e Hamyd Mourad.