Já se pode dizer?
Somos um país excessivamente moderado, onde tudo tem de ser dito com todo o cuidado e, deus nos livre, respeitinho (esse mesmo que explica quase tudo na maneira como se permitiram os casos BPN e BES, por exemplo). De tal forma que o nosso Syriza e o nosso Podemos são, vá lá, o Livre. E Rui Tavares assusta tanto no papel de radical de esquerda quanto António Costa. Ou seja, nada.
Tanto assim é que quase surpreende que Vítor Bento, num longo e estruturado ensaio publicado no Observador, venha dar um tiro no porta-aviões da doutrina da austeridade expansionista e, na mesma leva, na narrativa oficial do Governo do "temos de empobrecer" e "andámos a viver acima das nossas possibilidades". Só não o diz assim.
Sendo, como é, um perene conselheiro de Estado, e até há pouco tempo (antes da desastrosa passagem pela administração do NovoBanco) um dos mais consensuais economistas da direita portuguesa, é um rombo importante na doutrina dominante.
Porque, agora, já se pode dizer que, como já aqui assinalámos em Setembro de 2014, a Alemanha tem de perceber de uma vez por todas que se quer que os demais Estados-membros lhe subsidiem uma moeda com câmbio mais baixo, o que a mantém competitiva, e lhe dêem livre acesso a um mercado de 500 milhões de habitantes, tem de partilhar esses ganhos.
Não é uma questão de pedir ao contribuinte alemão o que é dele, é pedir-lhe que devolva o que não lhe pertence, que é o que o "dispor de um excesso de competitividade que é subsidiado pelos sacrifícios dos Deficitários, obrigados a um ajustamento unilateral" de Vítor Bento quer dizer em português corrente.
E qual será o montante desse subsídio? Vítor Bento não arrisca um valor, remetendo para um paralelo com o movimento recente do franco suíço, mas recorrendo aos cálculos de Dominick Salvatore, da Fordham University, podemos estimar que um "euro alemão" valeria pelo menos mais 40% no mercado cambial. Um subsídio e tanto.
O rei vai nu e há que sublinhar que "aqui reside a grande falha da argumentação moral que tem subjazido à condução do processo, pois que não são os Excedentários que têm estado a sustentar o bem estar dos Deficitários, mas o contrário.".
Numa altura em que a Grécia afronta os dogmas europeus o Governo português teima em negar a evidência e manter o rumo. A Grécia lutará pelos interesses dos Gregos mas não conte com o apoio do Governo de Portugal, por muito que os interesses do povo português sejam semelhantes: menos austeridade, para garantir a sustentabilidade da Economia e das contas públicas.
Estamos num momento da história em que essa teimosia se traduz em mais pobres, mais desempregados, menos protecção social. Não é culpa da Chanceler Merkel que está a lutar pelos interesses do seu país: aquilo do "Deutschland, Deutschland über alles" é mesmo para levar a sério. Infelizmente para nós, para Passos Coelho também.
Do Diário Económico de ontem.