Independência à Lagarde
"Populism is not the answer to bureaucracy; it is the triumph of bureaucracy." - Jan-Werner Müller
O BCE afirma que o aumento da inflação ocorreu devido aos lucros das empresas. No entanto, os salários não podem acompanhar a subida da inflação. Se os salários fossem aumentados, as empresas provavelmente aumentariam os preços para manter suas margens de lucro, criando uma espiral inflacionaria. (Não deixa de ser curioso que nem sequer é equacionada a hipótese de não serem mantidas as margens de lucro).
De acordo com alguns economistas, essa seria a única solução para evitar o crescimento da inflação. Não tenho conhecimentos suficientes para duvidar e acredito que assim seja. No entanto, isso levanta questões sobre a suposta natureza técnica e independente do BCE, assim como sobre o próprio sistema económico.
Em primeiro lugar, o BCE, como uma suposta instituição independente, pode ser considerado um dos principais exemplos do populismo burocrático, no qual há uma clara divisão entre os meios e os fins. A burocracia, segundo a definição de David Graeber, é a única instituição social que trata os meios de realização das coisas como completamente separados do que está sendo feito, ou seja, é "neutra" em termos de valores. No entanto, a meta de inflação de 2%, assim como outras metas, como deficit de 3% ou 60% de dívida pública, são discricionárias e não têm base científica. O valor de 2% surgiu em uma entrevista televisiva com o então presidente do Banco Central da Nova Zelândia. Em 2010, Olivier Blanchard chegou a sugerir que uma meta de 4% seria mais eficaz.
Portanto, a meta escolhida de 2% não é neutra, mas sim uma escolha política dos Bancos Centrais que visa facilitar a comunicação aos destinatários das medidas para controlar a inflação. Por outro lado, poderíamos argumentar que simplificar um mandato como "controlar a inflação" para um número facilmente quantificável é a definição clara de uma organização altamente burocrática.
Em segundo lugar, a falta de aumento nos salários em relação ao aumento da inflação, impulsionada pelos lucros das empresas, revela desequilíbrios estruturais no sistema económico atual. A existência de quase-monopólios, fusões corporativas e redução do papel dos sindicados resultou numa falta de concorrência saudável, dificultando o aumento dos salários e prejudicando o poder de compra dos trabalhadores.
Não há duvida que a inflação precisa ser controlada dentro de limites razoáveis, mas é igualmente importante abordar as causas subjacentes que contribuem para esses desequilíbrios. Simplificar o mandato do controlo da inflação para uma meta quantificável como fazem os Bancos Centrais não permite analisar os problemas estruturais subjacentes e nem será esse o seu objetivo. E é para isso que existe a política, para ir para além dos meios e discutir os fins. E esses fins devem ser uma sociedade mais justa e uma economia mais sustentável, com uma distribuição mais equitativa dos benefícios económicos.