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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

13
Out14

"Gostas mais do pai ou da mãe?" (ébola como aperitivo, demagogia como sobremesa)

mariana pessoa

É neste nível básico que vai a "discussão" sobre o caso ébola em Espanha, as 4000 pessoas mortas em África até agora e o abate do cão da auxiliar de enfermagem que entretanto contraiu o vírus.

Não: a discussão desta gente iluminada pelo civismo e pela urbanidade não se direcciona no questionamento sobre o facto de uma auxiliar de enfermagem ter podido ir de férias durante 20 dias, sem qualquer monitorização, após ter tratado um paciente com ébola. Não, a altivez dos princípios desta douta gente não se direcciona ao facto de os equipamentos usados não estarem conforme as regras de higiene e segurança preconizadas pela OMS. Nada. A raiva, a perplexidade e a superioridade moral destas criaturas é dirigida aos que - por deus, o ultraje! - assinaram uma petição pública em que defendiam - o horror, tomar uma posição pública, onde é que já se viu isto em democracia? - que não se deve abater um animal por uma doença que não contraiu, quando por segurança poderia ser colocado em quarentena.

Dizem estas luminárias, rasgando as vestes pela "inversão de valores e dos princípios", que as pessoas que se manifestaram contra o abate de um cão não mexeram uma palha para lamentar as 4000 mortes de pessoas em África com o vírus ébola. Donde concluem que estas pessoas valorizam mais a vida de um animal do que de 4000 seres humanos. Brilhante, é o mínimo que se me oferece dizer.

Ora bem, talvez não precisasse de explicar isto a seres pensantes, mas se tem mesmo de ser, cá vai:

  • Vamos lá usar um eufemismo: tenho "sérias dúvidas" que conhecessem uma só das pessoas que assinaram a petição ou se manifestaram contra o abate do cão - donde se conclui que falam de quem não conhecem e imputam valores a quem não conhecem;
  • petição pública que tanto os chocou foi desencadeada por um apelo do marido da mulher internada e dono do cão, afinal quem corria mais riscos, digamos que um pouco mais do que esta gente com o rabo alapado num estúdio de gravação em lisboa. Mas ainda assim sentem-se no direito de ditar leis mesmo não conhecendo os manifestantes e não havendo uma só palavra na petição pública que remeta para a equiparação da vida animal à dos seres humanos. Só me resta concluir que a nada mais assistimos do que a uma imputação demagógica de intenções, inferências e generalizações abusivas;
  • Daniel Oliveira e Pedro Marques Lopes vão ao extremo delirante de meter, nesta mesma converseta, o obscurantismo, a negação da ciência e a vacinação de crianças. Para quem tanto acusa - em particular Daniel Oliveira - os outros (sempre os que dele discordam, claro) de demagogia e populismo, não está mal, não senhor.

Nas cabecinhas destes seres moralmente superiores não cabe a ideia de um ecossistema em que seres humanos dependem de animais e vice-versa. Que não há qualquer inversão de valores porque o animal em causa simplesmente não contraiu a doença. O facto de o cão ser assintomático não impede de ter a doença, é um facto. Mas estes que acusam os outros de ignorância e obscurantismo desconhecem que basta um exame para detectar o vírus? Abater sem o testar é que é o objecto de discussão, nada mais.

Mas bom, parece que estas criaturas de superioridade moral óbvia vão ter mais com o que se entreter: em Dallas, o pânico não se parece ter instalado. O cão de uma das pessoas que contraiu a doença foi para local incerto até o dono se recuperar. Nada de abate. E esta, hein?

Párem de colocar questões de saúde em termos morais. Quando muito, coloquem-nas em termos éticos. E aproveitem e apliquem-nas às suas intervenções públicas.

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«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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