Friends in low places*
Vem o vento, sobram toalhas de praia e a pedra deixou de estar quente. Horas antes, uma inusitada bissectriz de ângulos entre espelhos, paredes de pé alto e tectos de estuque alvo trabalhado. Surge um “dás-me um abraço?” como quem diz boa noite. Segurou-lhe no copo como passe de mágica, o braço longo em camisa azul petróleo. Sentiu-lhe a pele, a cara áspera, talvez barba se a luz destes sítios desse para ver mais que penumbra. “Um abraço, então”, como rascunho de um abraço que não se nega. E ficaram-se no abraço. Uma mão sobe à nuca e sente-lhe o fim do cabelo bem cortado. E ficaram-se no abraço. Corpos colados. Mão acima da anca, um puxar de braço a título de convite de fuga, mas ficaram-se num outro abraço. Depois – 3 segundos ou 3 horas depois, não sabe - virou as costas dizendo-lhe ao ouvido que fosse à vida dele.
Veio o vento, sobraram as toalhas e a pedra voltou a estar quente. Não tinha sido obediente e não tinha ido à vida dele. Há oceanos para parar, deste lado e parece que daquele, atiçados por braços que comandam marés. A falta de sincronia com quem não se conhece, o ar adolescente do olhar para o chão quando não se sabe para onde olhar (olhos nem pensar). O tempo passa, já há sombras que se vão morrendo, antes elas que eu, que há vazios para preencher e eu não quero morrer mais desta maneira, pelo menos hoje. Há um lado que faz querer fugir, afinal pára tudo, voltar à zona de conforto, põe-te nas putas. (Não sejas menina, é só carne. Bebe mais se for preciso). Abdicar dela própria, chegar ao ponto em que dá sem nunca se dar, isso exige tempo e, malogradamente, experiência. Evitam-se palavras preenchendo a boca do outro com movimentos convictos, a resposta surda é imediata e afinal os Depeche Mode tinham razão: words are very unnecessary, they can only do harm.
Onde estás amanhã?, amanhã vou de férias; Dá-me o teu número, dou se não me telefonares; então é porque tens alguém, se tivesse não estaria aqui contigo (pausa para olhar à volta e não esconder o ar insultado). Liga-me. És um idiota, sorriso, um beijo. E outro.
Ainda não sei conversar contigo, como se faz? Acende-lhe um cigarro. Deitados, voltou-lhe as costas, num modo muito repetido de falsa auto-confiança, como se estivesse muito habituada a derramar existência nos braços de quem não conhece. Não estou aqui para te fazer mal, sabes? Então podes ir embora, gargalhadas metálicas primeiro em mono e depois em stereo, sem candura nem inocência, afinal o desígnio foi cumprido. Não há sentido, houve sentidos. Já tinha reparado no colar dele, mas só agora resolveu contemplá-lo. Era feito de elementos tão vulgares como algo que parecia fio norte e uma medalha redonda em ferro escurecido, com desenhos imperceptíveis, gastos. Ah, os acasos. Novo nome para isto, face à ambígua e despropositada necessidade de dar nomes às coisas: friends in low places.
*Simon Raven - Friends in low places (1965)