Escolher os melhores de nós
Para que serve uma eleição? De acordo com cerca de quarenta por cento dos votantes, para nada. Os que, por uma razão ou por outra, por preguiça ou por militância, por falta de disponibilidade ou por um sentido de cidadania enviesado, escolhem não ir depositar o seu voto em dia de plebiscito. Mas a abstenção não é uma escolha igual às outras, não é como preferir ir à praia em vez de ir ao cinema. Não votar tem um preço. Decisivo, grave, essencial.
Pensemos por exemplo em Cavaco Silva, o presidente da República mais impopular da história da democracia portuguesa. Em 2011, foi eleito com 52.95% dos votos depositados. Mas a abstenção chegou aos 53%. Na prática, Cavaco Silva pode ocupar o mais alto cargo da nação apenas com o voto de 23% dos eleitores. A legitimidade formal da sua eleição é inegável. Mas a verdade é que o formalismo democrático não ilude o facto de que apenas uma minoria escolheu votar Cavaco. Talvez por isso a sua taxa de popularidade, aferida em sondagens, partiu de uma base baixa e foi caindo ao longo de cinco penosos anos. Aos que decidiram não ir votar juntam-se os que foram e não votaram nele. Os 77% de eleitores que não se reviam em Cavaco têm assim vindo a sentir na pele o peso de um presidente que nunca esteve à altura do cargo que temporariamente ocupa. Os que escolheram ir e votar noutros candidatos podem sempre dizer que a culpa não é deles. E quem não foi, quem ficou em casa, o que pode dizer em seu favor?
A abstenção não ocupa lugares na Assembleia da República. Não toma decisões, não legisla, não decide. Os votos que não chegam a acontecer transformam-se em votos nos outros partidos e, com o nosso sistema eleitoral (baseado no método de Hondt), os partidos mais votados estão em vantagem. A abstenção favorece apenas os partidos grandes e enfraquece o debate democrático, contribuindo para o pensamento único. A diversidade política e a emergência de alternativas exigem participação e cidadania e dispensam a alienação e a anomia.
Como escreve Platão n’A República: “o preço a pagar pela não participação na política é podermos ser governados pelos piores”. Quem envereda pela via da abstenção (uma negação da escolha democrática) corre esse risco.
(Texto publicado inicialmente no LIVRE/Tempo de Avançar.)