Em nenhum lado
Indo directamente ao ponto: não é admissível que em 2016 a televisão pública portuguesa crie mais um programa de debate semanal onde não exista uma única voz feminina. Tenham lá paciência e um pouco de vergonha na cara. O problema não é novo, e não é exclusivo da comunicação social televisada. Há uma crónica ausência de mulheres a dar opinião no Público. Há uma crónica ausência de mulheres a dar opinião na Diário Económico (e na ETV). Há uma crónica ausência de mulheres a dar opinião no Diário de Notícias, na Sábado, no Jornal de Notícias, no Jornal de Negócios, no Expresso e no Correio da Manhã. Nos agora 7 programas de televisão de debate politico e análise da actualidade com comentadores regulares nos três canais informativos (Quadratura do Círculo, Governo Sombra, Eixo do Mal, O Último Apaga a Luz, Princípio da Incerteza, Prova dos Nove, Os Números do Dinheiro e O Outro Lado) contamos 27 comentadores, e entre eles o ridículo número de 3 mulheres. Se a estes adicionarmos programas de debate sem oradores fixos como As Palavras e Os Actos, Expresso da Meia-Noite e Prós e Contras, a contagem ainda piorará, sendo a presença feminina mais excepção do que regra.
Numa altura em que temos um parlamento com mais de um terço de deputadas pela primeira vez nos nossos 196 anos de câmaras parlamentares eleitas e em que temos aquele que é o Governo mais "paritário" da nossa história (32% de mulheres, em ministras e secretárias de estado), seria de esperar que na imprensa tal proporção se reflectisse. Ou melhor, que nas opiniões a quem a comunicação social escolhe dar voz numa base regular, a proporção fosse ainda maior e exemplar para o poder político. Mas não. E o pior é quando o serviço público de televisão é exemplo paradigmático da hegemonia masculina nos actores do debate político. Quando nem o serviço público de televisão consegue fazer o "esforço" de nos seus comentadores ter representação mínima do género de mais de metade da população portuguesa.
Não está em causa (obviamente) o mérito dos oradores escolhidos para O Outro Lado. Apenas é patente uma incrível falta de noção (e abundância de descaramento, vá) de quem decide os nomes para criar, em 2016, mais um programa de debate político na televisão. Mais um onde não se lembraram de convidar uma mulher para se sentar à mesa.