É preciso nascer 331 vezes para ser mais competente do que eu
Num país em que a classe média é proprietária de imóveis de valor patrimonial superior a 500 mil euros, o salário anual do novo presidente da CGD (423 mil euros) não deveria geral polémica. Infelizmente não vivemos nesse país. E como tal é natural que surjam críticas, que sobem de tom atendendo aos resultados recentes da gestão de topo e bem paga da banca portuguesa.
No entanto, ao contrário do que se tem ouvido, designadamente do PR, esta questão não deverá ser reduzida a público versus privado. A CGD é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e rege-se pelas mesmas normas das empresas privadas do sector. Este caso deveria servir para se discutir por que razão nos últimos 40 anos disparou a diferença entre os salários dos CEOs e dos trabalhadores médios. Será legítimo que os CEOs das principais empresas americanas ganhem 331 vezes mais do que os trabalhadores médios e 774 vezes mais do que os trabalhadores que auferem o salário mínimo? Em Portugal a diferença é menor, mas ainda assim considerável: o salário dos CEO é 30 vezes o salário do trabalhador médio (superior à diferença que havia nos EUA até 1980).
Neste tipo de situações costuma surgir o argumento de que a remuneração corresponde à elevada competência e especialização e que, caso não sejam pagos tais montantes, não será possível contratar os melhores gestores.
Ora, não se pretende, nem seria desejável, que a competência não se reflita em termos salariais. É natural que os gestores de topo de uma empresa tenham uma remuneração superior ao respectivo trabalhador médio. O problema é saber qual a diferença aceitável, sobretudo nos casos em que os gestores não são empreendedores que colocaram o seu próprio capital em risco. E caso se considere que deverá haver um tecto máximo, será que o Estado poderá ou deverá fazer algo nesse sentido?