Declaração de guerra
Seria de esperar (e até desejável) que Cavaco Silva indigitasse Passos Coelho como primeiro-ministro. A coligação PàF obteve 38% dos votos, foi o projecto político mais votado, e à luz da Constituição e da tradição faria todo o sentido que Cavaco procedesse como o fez. O que não é normal é o discurso que acompanhou a indigitação. Esse discurso foi uma verdadeira declaração de guerra à esquerda, à democracia e à Constituição. Ao insinuar que, mesmo que o Governo de direita seja recusado no parlamento pela maioria dos deputados, o manterá em funções, Cavaco Silva marcou uma posição de bloqueio ao normal funcionamento das instituições e da democracia. Reforçou esta oposição ao falar de partidos que recusam tratados da União Europeia (sem referir, cobardemente, que partidos são esses), deste modo na prática vedando o acesso ao Governo do BE e do PCP. Desvaloriza o voto de um milhão de eleitores. O discurso de Cavaco não foi apenas de facção, defendendo os partidos que o elegeram como presidente; foi na prática um discurso anti-democrático que extravasou as suas funções. No nosso regime semi-presidencial, não cabe ao presidente escolher Governos, muito menos decidir que partidos podem fazer parte dos mesmos. Esse papel cabe à Assembleia da República; ao presidente cabe apenas ratificar a decisão da maioria parlamentar, emanada do voto dos portugueses. A declaração de guerra de Cavaco Silva terá de ter resposta à altura da esquerda - a esquerda que teve 51% dos eleitores do seu lado. Mais do que nunca, é preciso um acordo forte entre PS, BE e PCP, para quatro anos. Quando o Governo de Passos cair, a opção de Cavaco manter em funções um Governo recusado pela maioria dos portugueses não pode estar em cima de mesa. Se Cavaco Silva insistir na sua vontade anti-democrática, cá estaremos para lutar, por todos os meios necessários, contra esta subversão da democracia e do voto popular. A esquerda deve isso à maioria de eleitores que nela votou.