Conseguir um país
O meu artigo no Diário Económico de hoje:
A actual situação peculiar na política portuguesa convoca três ordens de considerações (e um aparte). Vamos ver: primeiro, a política voltou ao centro da vida da comunidade; segundo, o Parlamento voltou ao centro da política; terceiro, esquerda e direita não mais serão as mesmas; e, por fim, o número de peritos em Direito Constitucional nas conversas de café é apenas suplantado pelo número de peritos na diferença entre um 4-4-2, um 4-3-3 ou o mais exótico 3-5-2, e não sei se por muito tempo.
A questão central está mais que tratada: nos limites da sua flexibilidade e resistência aos desafios o modelo constitucional suscita sempre dúvidas e a polararização em torno de trincheiras políticas. Foi assim quando Santana Lopes foi indigitado primeiro-ministro sem que tivesse ido a eleições legislativas, é assim agora. E muitos encontram-se, agora, com alguma perplexidade, do lado oposto ao que estiveram então. É da natureza humana.
A indigitação de Pedro Passos Coelho é juridicamente inatacável, embora possa ser discutida do ponto de vista político. Cenários extremos, como o da manutenção em gestão de um governo cujo programa tenha sido rejeitado na Assembleia da República, para mais existindo uma maioria disponível para suportar um outro governo, é ainda mais discutível politicamente e, dizem muitos constitucionalistas ouvidos (desde logo Jorge Miranda), juridicamente inaceitável. Parece a visão mais prudente.
Olhemos para este momento difícil e recordemos o essencial: Democracia é isto. É ideologia e confronto de ideias, num quadro de regras aceite por todos, confronto esse feito não só pelos (e muito menos não só nos) partidos, mas em todo o lado. Na polis, diriam os gregos.
Acresce que a Assembleia da República voltou ao centro da vida política, como talvez desde o período da Assembleia Constituinte não se tenha visto. Os deputados assumem o seu verdadeiro mandato; numa Democracia representativa como é a nossa, os governos nascem, vivem e morrem pelo voto de todos e cada um dos deputados, no livre exercício individual do mandato que lhes confiámos.
Por fim, esquerda e direita não mais serão as mesmas. A esquerda porque tem aqui uma oportunidade histórica (e a responsabilidade respectiva) de mostrar que se sabe entender quando entende que assim o exige o interesse nacional e que não é - ao contrário do que desastradamente afirmou o actual Presidente da República – menos capaz de o interpretar que os partidos da direita. A direita ficará ciente de que o risco que não correu em 41 anos de eleições passa a existir e que o diálogo não será feito com um PS historicamente condenado a entender-se com PSD, quando não com o CDS, por falta de outros interlocutores.
Vivemos tempos interessantes e exigentes, e esperemos que todos, mas mesmo todos, estejam à altura das suas responsabilidades. Temos, nessa esperança, já uma baixa de peso, auto-infligida, a do PR. Não no que decidiu, note-se, mas nas escusadas e excessivas declarações que entendeu fazer. Entre o País e o partido, Cavaco Silva escolheu o partido. Não foi a primeira vez, mas talvez tenha sido a última.