Cigarra e Formiga
O ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, disse que Portugal é a formiga e a Grécia a cigarra. Presumo que o Ministro procure aludir à moral usual dessa fábula que apenas com trabalho árduo poderemos estar protegidos no futuro.
Por ora vamos deixar de lado que é indigno um Ministro referir-se nestes termos a um país aliado, parceiro na União Europeia. Vamos deixar de lado que a alegação que os gregos não trabalham (à moda do José Rodrigues dos Santos) carece de fundamento e que as factos apontam que estes são os que na UE trabalham mais horas a par dos romenos. Vamos deixar de lado que temos um Primeiro-Ministro que apelida o programa eleitoral de um governo estrangeiro como "conto de crianças", mas que ao mesmo tempo tem um membro do governo que ele lidera que reduz a crise europeia a um conto de crianças.
Imagine-se que tudo isto era verdade e que Portugal era mesma a formiga e a Grécia a cigarra.
Na fábula que eu conheço a Formiga com compaixão acaba a ajudar a Cigarra, dando-lhe alojamento e comida, e como resultado a Cigarra sobrevive ao inverno - desfecho que parece contradizer a moral que costuma culminar a história*.
Por essa razão sempre extraí desta fábula uma outra moral segundo a qual uma sociedade justa, na sociedade em que eu quero viver, não excluí os mais desfavorecidos, mesmo que estes tenham cometido erros; nenhum erro, por mais grave que seja, se sobrepõe à dignidade da pessoa humana. Nenhum erro pode condenar à penúria e à miséria uma população inteira.
Infelizmente, os nossos governantes continuam sem perceber os contos de crianças.
* No original do Esopo não existe qualquer contradição uma vez que Formiga não ajuda a Cigarra.