Bom senso precisa-se
“Um Presidente da República de bom senso deve deixar aos partidos as suas controvérsias político-partidárias que já cheiram a campanha eleitoral”, disse ontem Cavaco Silva, sobre os incumprimentos fiscais e contributivos do ainda Primeiro-Ministro, por este praticados e publicamente assumidos.
Considerar que a fuga de Pedro Passos Coelho ao pagamento de contribuições para a Segurança Social, regularizada apenas após o aviso de um jornal, é matéria que decorre de qualquer questão político-partidária, é um completo disparate, que nem o facto de ter sido proferido numa cervejeira desculpabiliza.
Mas isso é apenas parte da questão. É que quem disse isto foi o mesmo Cavaco Silva que em 2009, a escassas semanas de eleições legislativas, resolveu fazer uso do seu estatuto de Presidente da República para lançar uma das mais lamentáveis "controvérsias político-partidárias" (para usar as palavras de Cavaco) que a nossa democracia já conheceu: a inventona das escutas a Belém, por parte do Governo.
"Um Presidente da República de bom senso não deve entrar em lutas político-partidárias e o Presidente da República está acima dos partidos, das polémicas que eles desenvolvem", disse Cavaco, na mesma intervenção. E a conclusão óbvia destas declarações é que a noção de bom senso desapareceu, há muito, do cidadão que atualmente ocupa o cargo de Presidente da República.
Para além de se revelar, por vontade própria, impotente na tarefa de assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, Cavaco Silva empenhou-se em envergonhar uma delas: a Presidência da República. Parecendo ter já perdido a dignidade, devem agora, os seus assessores e apoiantes, ajudá-lo a terminar o seu mandato sem que denigra, ainda mais, o importante cargo que ocupa.