Boião da Cultura
“If anyone, no matter who, were given the opportunity of choosing from amongst all the nations in the world the set of beliefs which he thought best, he would inevitably—after careful considerations of their relative merits—choose that of his own country. Everyone without exception believes his own native customs, and the religion he was brought up in, to be the best.”
― Herodotus
A entrevista de Pedro Nuno Santos, a exigir que os imigrantes respeitem “a nossa cultura, valores e a lei”, representa um arrastar da janela de Overton ainda mais para a direita. Nenhum cálculo eleitoral justifica esta cedência a este tipo de discursos, que divide e cria ressentimentos em relação aos imigrantes; discursos que, mais cedo ou mais tarde, serão contraproducentes para os resultados eleitorais do partido que lidera.
Ninguém duvida de que os imigrantes devem ser integrados. Contudo, este tipo de discurso confunde integração com assimilação. A assimilação parte do pressuposto de que um grupo social dominante é fixo e exige que os outros grupos se unam a este, abandonando as suas identidades e conformando-se com aquilo que o grupo dominante considera serem as normas, práticas e virtudes que o definem*.
E convém sempre referir que é paradoxal um líder político falar em cultura do país sem ter uma perspetiva sobre a nossa longa história de assimilação forçada — como, por exemplo, contra os judeus — ou sobre o facto de termos arrancado milhares de pessoas do seu contexto, identidade, família e cultura para as colocar num novo continente, onde serviram como mão de obra escrava.
Voltando à alegada integração defendida por PNS, esta apenas faz sentido se assumirmos que existe uma homogeneização cultural e uma cultura dominante estática. Há algumas décadas, a cultura era ainda mais patriarcal do que atualmente, e a cultura empresarial portuguesa continua a pagar menos às mulheres do que aos homens (em Portugal, os salários médios das mulheres são inferiores em 15,8% aos dos homens, o que corresponde a 58 dias de trabalho não remunerado). Será que vamos pedir às novas empresas que se adaptem a esta cultura?
E o que dizer de outros “símbolos culturais”? Vamos pedir aos imigrantes que se tornem adeptos de football? E que aderirem às discussões semanais sobre o Football Clube do Porto, Sporting Clube de Portugal e Sport Lisboa e Benfica? Ou que ouçam fado — uma fusão de diversas fontes culturais? Ou que celebrem o Natal comendo um peixe das costas da Noruega, acompanhado de um tubérculo originário dos Andes, ao lado de uma árvore iluminada tradicional da Alemanha, para festejar um nascimento ocorrido no Médio Oriente? Ou será que preferimos que, no Carnaval, assistam a cortejos nas ruas ao som do samba? Ou que usem o martelo no São João do Porto, cujo uso foi proibido por ser “contra a tradição” (e apenas permitido após recurso aos tribunais superiores)?
Na verdade, a integração é um constante gerador de nova diversidade cultural e de perspetivas epistemológicas. A cultura sempre foi dinâmica e influenciada por diferentes povos e tradições. Em vez de presumirmos que a cultura deve ser mantida estática (como defendem os reacionários), a integração promove a sua transformação, num fluxo constante.
Assim, em vez de nos rendermos ao discurso que defende a assmilação, deveremos pugnar pela verdadeira integração que visa a participação plena dos membros de todos os grupos sociais em termos de igualdade, cooperação e respeito mútuo em todos os domínios da sociedade civil.
* Daqui