Aos papéis
"And what we've always been is. . .?"
"Is living on borrowed time. Getting away cheap. Never caring about who's paying for it, who's starving somewhere else all jammed together so we can have cheap food, a house, a yard in the burbs. . .planetwide, more every day, the payback keeps gathering."
Thomas Pynchon, "Bleeding Edge"
A coisa mais surpreendente no escândalo dos papéis do Panamá foi encontrar orgulhosos defensores dos paraísos fiscais. Durante anos, a defesa escudava-se cinicamente na impotência: um mal menor num mundo globalizado com livre movimento de capitais.
Afinal os paraísos fiscais são os refúgios dos oprimidos pelo esbulho do Estado; as últimas cidades-livre num mundo estalinista. O facto de quem defende isto ter sido deputado da maioria que apoiou o "enorme aumento de impostos" e criou a factura da sorte é no mínimo cómico - um Thoreau de pacotilha.
Um político pugnar pela redução de impostos ou considerar que a carga fiscal é demasiado elevada é normal. Mas já não é aceitável defender que quem pode deve colocar os seus rendimentos em paraísos fiscais, que funcionam através de empresas fictícias constituídas por apenas uma caixa de correio postal. Este expediente permite que uma pequena minoria - e estes são sempre os mais poderosos e com mais meios - fuja às regras definidas democraticamente da comunidade onde vive e que afectam a maioria dos concidadãos. Ninguém é obrigado a viver em Portugal - não há nenhum muro que o obrigue. Quem quiser pode emigrar para o Panamá ou para qualquer outro local com uma carga fiscal mais baixa. No entanto, não pode querer ao mesmo tempo usufruir dos serviços públicos de um local e pagar os impostos de outro. O sentido mais básico de justiça social assim impõe, sobretudo nesta altura de graves e profundas desigualdades. Infelizmente vivemos tempos interessantes em que se defendem os novos robins dos bosques: os que roubam aos estados para dar aos ricos.