A verdade das "verdades"
Há uma contradição nos alegados políticos que dizem “as verdades”. Estes são os que mais dizem mentiras. Mesmo os seus apoiantes sabem que eles mentem mas acrescentam em sua defesa que todos o fazem. A questão então que os preocupa não é a verdade, mas as “verdades”.
Mas o que são “verdades”? Poderemos definir como crenças estigmatizantes sobre minorias ou acusações infundadas sobre terceiros, nomeadamente sobre outros grupos sociais, que alegadamente são partilhadas num ambiente privado, isentas de qualquer influência externa que as obriguem a conformar com normas de desejabilidade social. Estes políticos, porém, têm a “coragem” de as expressar publicamente.
Neste sentido, há quem considere que todos que apoiam este discurso partilham estes preconceitos, mas que suprimiram este sentimento com receio de serem alvo de crítica. Com efeito, quem faz estudos de opinião sabe que as opiniões que as pessoas expressam são afectadas pelo entrevistador, isto é, em questões sensíveis raciais, os inquiridos expressam pontos de vista mais moderados e conciliatórios quando acreditam que estão falando com alguém de outra raça. Assim, há quem considere que nestas situações há um esconder da verdadeira opinião do inquirido.
No entanto, “Lynn Sanders argumenta que essa visão atomizada e individualista contradiz o ideal democrático de formação da opinião pública, o qual sustenta que as opiniões dignas da descrição "pública" devem surgir numa democracia a partir das discussões realizadas em conjunto por cidadãos diversos. Nessa perspectiva, a moderação da opinião que surge, longe de refletir uma distorção artificial da "verdadeira" opinião das pessoas, representa uma opinião mais autenticamente pública e democrática, refletindo adequadamente a influência de diversos pontos de vista nas opiniões dos indivíduos.*
Em geral, quanto mais diversificadas forem as redes de discussões políticas de um indivíduo, mais bem informado ele estará sobre os fundamentos de suas próprias opiniões e as dos outros, e mais tolerante ele será em relação a visões políticas opostas. E refletem um processo de pensamento mais informado e consciente, à luz de uma pressão democraticamente legítima para formar opiniões que possam ser justificadas perante um público diverso”*.
Assim, a pressão pública para um discurso tolerante não pode ser visto como uma limitação à verdade e à liberdade, mas como pressuposto necessário à própria democracia. A sua aceitação e normalização legitimam e multiplicam o seu uso na esfera pública, distorcendo e corroendo a formação da opinião pública. Deste modo, “as verdades” são, por si só, anti-democráticas, mesmo que quem as use não queira expressamente mudar o regime político.
*Retirado daqui.