A outra licença sem vencimento do doutor Vítor Bento
E quando achávamos que já tínhamos visto tudo (ou quase tudo, concedo) do armazém em que está transformado o Palácio de Belém, eis que não que sua excelência decide, mais uma vez (deve ser impressão minha, deve), gozar com a nossa cara:
"O Presidente da República, Cavaco Silva, decidiu chamar de novo Vítor Bento para o Conselho de Estado, seis meses depois do antigo conselheiro ter renunciado ao cargo, após ter sido nomeado presidente executivo do Novo Banco."
Ora bem, a cronologia:
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7 de Julho - Vítor Bento, até então presidente da SIBS, toma posse enquanto novo presidente do Banco Espírito Santo;
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14 de Julho - Vítor Bento renuncia ao seu lugar no Conselho de Estado da República Portuguesa;
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4 de Agosto - Na sequência daquela maravilha da gestão privada que era o Grupo Espírito Santo, Vítor Bento transita para Presidente do Conselho de Administração do recém-nascido Novo Banco;
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13 de Setembro - Devido a "circunstâncias" que "alteraram profundamente a natureza do desafio com base no qual aceitáramos esta missão em meados de Julho", Vítor Bento e a restante direção do Novo Banco pedem a demissão;
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20 de Setembro - Fonte do Palácio de Belém (pastelaria da avenida de Roma?) diz ao Observador que o "Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, não tem pressa em encontrar um substituto para Vítor Bento no Conselho de Estado";
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13 de Outubro - Vítor Bento põe fim à licença sem vencimento que tinha com o Banco de Portugal, regressando ao mesmo enquanto consultor do conselho de administração, descobrindo o país que um funcionário dos quadros do Banco de Portugal, a entidade reguladora independentíssima do sistema bancário português, tinha sido presidente do (então) maior banco privado do país;
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12 de Janeiro - Cavaco Silva re-convida Vítor Bento para conselheiro de Estado da República Portuguesa. "Cavaco Silva tomou a decisão apressado pela necessidade de uma reunião urgente do Conselho de Estado, por onde terá de passar a decisão de convocar eleições antecipadas na região autónoma da Madeira" confirma a fonte sempre-à-mão do Palácio de Belém.
Portanto, o sereníssimo Presidente desta nossa República ficou com um lugar vago no Conselho de Estado durante 6 meses para depois, coitado, acordado dum sono demorado, pegar no telefone e convidar o tipo que há meio ano tinha renunciado. Tudo alegadamente devido à necessidade de convocar uma eleição antecipada regional que ninguém, absolutamente ninguém à face desta Terra previa, toda a população ficou em choque e perplexa com este cenário que não se adivinharia jamais.
É isto, não é? Tipo assim a fingir que ninguém repara, como quem sussurra "ninguém vai notar, é como se nunca tivesses saído", correcto? Quase que parece que isto estava planeado, não? Ai, têm razão, que mente a minha, sempre a pensar mal do senhor que é duas vidas mais honesto que nós todos e do senhor que ele em 2009 convidou para substituir Dias Loureiro. Não tenho emenda.
É vergonhoso ver como Aníbal Cavaco Silva continua a destratar o cargo que ocupa e as instituições que dirige, o país que preside. Como li na passagem de ano, uma das melhores coisas deste Janeiro de 2015 será o de podermos finalmente, com alguma esperança e um pouco de alívio, passar a afirmar: "Para o ano, Cavaco já não será presidente".
P.S. - o livro de Vítor Bento "Economia, Moral e Política" está a quantos cêntimos no Pingo Doce?