Abundam pelas redes sociais teorias sobre a atitude do Governo e do seu porta-voz, Cavaco Silva, perante a assumpção da Grécia enquanto actor central no drama europeu. As mais comuns sugerem que o Governo age como um pajem arrojando-se aos pés do seu senhor, a Alemanha. Outros (como eu, em determinadas circunstâncias) acham que Passos não passa de um bobo da corte à espera da migalha que virá quando for corrido do lugar que ocupa. Também há quem defenda a atitude dizendo que é a que melhor defende os portugueses. Mas mesmo que fosse assim (desafortunadamente, as centenas de milhar de desempregados e os dois milhões de pobres discordarão desta premissa), eu (e muitos outros) se calhar preferia ter políticos que não juntassem a uma incontornável incompetência uma vontade de agradar exclusiva de pessoas sem grandeza moral, ética ou humana. Se defender os interesses de Portugal obriga a que rastejem como vermes esmagados por panzers alemães, então dispenso. Mas se calhar sou eu que estou errado.
Mas adiante. Acontece que, mesmo admitindo outras explicações para a miserável subserviência do nosso primeiro-ministro e do nosso presidente da República, há uma simples e que traz alguma luz à sucessão de declarações que envergonhariam o mais dedicado Miguel de Vasconcelos. A verdade é que admitir que a posição de força do Governo grego poderá trazer vantagens para o seu país seria admitir que toda a estratégia ensaiada desde 2011 estava não só errada como representaria uma efectiva traição ao interesse nacional. O Governo e o seu porta-voz precisam desesperadamente de continuar a garantir a força da sua narrativa. Precisam que os eleitores acreditem que os dois milhões de pobres, a diminuição de rendimento e a falta de esperança generalizada são necessárias e não uma consequência (pensada e bem planeada) da gigantesca transferência de rendimento do factor trabalho para o factor capital. Precisam de convencer quem empobreceu que os seus sacrifícios contribuíram para um bem maior, a salvação do país, mesmo que na realidade a dívida pública tenha crescido a maior velocidade do que crescia antes de 2011 e que estejamos hoje mais dependentes dos nossos credores e dos favores dos mercados.
O primeiro-ministro, o presidente, a direita europeia (em Espanha a atitude de Rajoy não difere da de Passos) travam um combate próprio e politicamente egoísta, que nada tem a ver com interesses nacionais ou com o futuro da União Europeia. Lutam pela sua própria sobrevivência, sustentada pela defesa dessa maciça fraude ideológica (e semântica, já agora) chamada austeridade. A ascensão do UKIP na Grã-Bretanha e a vitória da FN em França e do Podemos em Espanha são os episódios que se poderão seguir à vitória do Syriza. Isso representará o fim da hegemonia do PPE na UE, o princípio do fim da ideologia austeritária - a ideologia que poderá ainda levar ao desaparecimento do Euro e da União Europeia, não esquecer. Eles agora estrebucham que nem lagartixas. O repúdio da democracia e da legitimidade do voto grego é moralmente repugnante, mas não é surpreendente em Cavaco e Passos. A quem é eleito sob falsas premissas e governa fazendo o contrário do que prometeu em campanha não se pode exigir muito. Nada vale a pena, quando a alma é pequena. E a de Passos (assim como a do seu porta-voz, Cavaco) é muito, muito pequena.