O Álvaro, a Europa e os apoios ao investimento
Nas jornadas parlamentares conjuntas do PSD e do CDS, realizadas no passado fim de semana, Álvaro Santos Pereira resolveu lançar um forte ataque à burocracia, a qual, na sua opinião, tem representado um forte entrave à concretização de investimento em Portugal. Disse-nos Álvaro, entre outras coisas, que “a Europa tem de perceber que Portugal e os países em dificuldades precisam da possibilidade de ter apoios para o investimento”.
Independentemente do papel que a burocracia representa enquanto entrave à realização de investimento por parte das empresas, julgo que é, pelo menos, discutível que neste momento este seja o principal obstáculo à realização de investimento. Problemas de tesouraria, designadamente falta de liquidez e dificuldades no acesso ao crédito poderão, eventualmente, ser mais preocupantes neste momento, mas Álvaro lá saberá.
Seja como for, a verdade é que não foi nenhum burocrata na Europa (essa entidade distante a que Álvaro se refere) que criou qualquer regra “técnica”, “teórica” ou “tecnocrática” que congelou o QREN e por essa via impediu a concretização de projetos de investimento. Não foi nenhum burocrata sentado num gabinete em Bruxelas que ordenou o abandono de projetos que iriam criar emprego e dinamizar a nossa economia, alguns dos quais já se encontravam em execução e cujo cancelamento representou avultados prejuízos para a nossa economia. Em bom rigor e ao contrário do que disse Álvaro, a “Europa” sempre deu a Portugal a “possibilidade de ter apoios para o investimento”.
Foi este Governo, por opção própria, que resolveu congelar o QREN, bem como suspender e eliminar centenas de projetos de investimento numa lamentável “operação limpeza”. Tudo em nome de uma “reprogramação do QREN” cujos resultados práticos são tão parcos que não justificariam uma suspensão do normal funcionamento do QREN por um dia sequer.
É preciso não esquecer, também, que a “Europa” a que Álvaro se refere como sendo criadora de obstáculos ao dinamismo da nossa economia ofereceu-nos, pouco após a entrada em funções deste Governo, condições mais favoráveis para a obtenção de apoios comunitários, o que torna tudo isto ainda mais absurdo.
Ainda no plano europeu, importa realçar que a “Europa” já percebeu há muito que o caminho passa pela desburocratização e simplificação de regras e de procedimentos. Com a colaboração dos Estados-membros, foram desenhadas soluções e alternativas no sentido de simplificar o acesso a financiamento comunitário, o que permitiu à Comissão Europeia, em junho de 2011, apresentar uma proposta de quadro financeiro plurianual em que a simplificação é precisamente um dos conceitos dominantes. No mesmo sentido, a revisão do Regulamento Financeiro da Comissão Europeia, que entrou em vigor recentemente, permitirá a introdução, já a partir do próximo dia 1 de janeiro, de um importante conjunto de medidas de simplificação e agilização de projetos co-financiados.
Face a tudo isto, falar em “burocracia” de origem europeia como a causa da redução do investimento por parte das empresas, ou alegar que a Europa está, de algum modo, a impedir ou obstaculizar o acesso a apoios ao investimento é algo que só pode vir de alguém que está completamente desligado da realidade.
O grau de delírio atual só conseguirá ser superado se, daqui a alguns meses, quando a Comissão Europeia implementar as medidas de simplificação acima referidas, Álvaro tentar chamar a si algum tipo de mérito por melhorias que estão a ser preparadas desde o tempo em que o atual Ministro era um professor em Vancouver com saudades de pastéis de nata.